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Número de Ondas

terça-feira, 18 de abril de 2017

ZONA DE PERECÍVEIS (83)



O pormenor da idade

Morreu José Vala, um belíssimo jogador de futebol dos anos 70 e 80 do século XX, que se notabilizou ao serviço da Académica de Coimbra e encantou colegas, adversários, treinadores, dirigentes e público em geral com a sua apurada técnica e a sua invulgar visão de jogo. Vim a ser amigo de um seu irmão, Rui Vala, meu rival nas camadas jovens (ele na Académica, eu no União de Coimbra) e meu companheiro no Anadia.
Nos comentários seguintes à notícia do óbito, alguém me dizia, suspirando, que o Zé Vala “também já não era novo”. Na verdade, ele tinha apenas 65 anos, mas o facto de, desde muito jovem, ter o nome nos jornais e nos relatos radiofónicos criou no público a ilusão de uma antiguidade exagerada.
Já me aconteceu algo de semelhante. Em certo Verão de 1995, com 32 anos, eu andava a jogar em torneios de futsal por Coimbra e arredores. Devido à minha paixão pela bola e à dificuldade que sentia em dizer não a convites para entrar nesta ou naquela equipa (do Café de um amigo, do agrupamento de escuteiros da minha Filha, da loja de ferragens de um vizinho), acabei a fazer dois jogos por dia, em pavilhões diferentes e afastados entre si, com brevíssimos intervalos de horas.
Há-de ser até partires uma perna”, previa a esposa. E foi. Num jogo disputado à noite, em S. Martinho do Bispo (Coimbra), logo no início do prélio, senti que os ligamentos do joelho esquerdo se me rasgavam como farrapos exaustos. Nos primeiros cinco minutos, as dores pareceram-me insuportáveis, e acabei mesmo por ter de ir ao hospital. Mas o que me afligiu mais (o que me indignou visceralmente), naquele episódio, foi ouvir, enquanto era assistido no campo, junto à vedação, certo treinador daquela época comentando para um espectador qualquer: “Ele também já tem uma idadezinha...
No futebol, a crueldade da passagem do tempo só é superada pela crueldade da percepção que os outros têm da passagem do tempo. Aos 17 anos, somos fulgurantes promessas; pouco depois, somos atletas experientes; aos 30-32, já somos veteranos; e os que sobrevivem para lá desse limite, frequentemente com competência e brilho, são vistos como patéticos exemplares de jogadores acabados arrastando-se pelos relvados.
A vida é curta, não o discuto. Mas convém não exagerar no modo como se tende a arrumar, por idades, o que cada pessoa é ou vale. Cada vez mais me assusta a ditadura da juventude obrigatória, essa filosofia de pacotilha que mede o mérito e o valor pelo grau de frescura etária.
Tive um treinador que, por querer no campo os 11 melhores em cada momento, ignorava deliberadamente a idade dos seus jogadores. Dizia que, a jogar, há velhos como novos e novos como velhos.
Escrevo esta crónica numa manhã com Sol. E sinto-me, não sei se o adivinháveis já, novinho em folha.

Coimbra, 06 de Abril de 2017.
Joaquim Jorge Carvalho 
[Esta crónica foi publicada no semanário O Ribatejo, edição de 13-04-2017.]

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