Nomes de Nós
Costumo dizer
isto aos meus jovens alunos, quando eles se queixam dos nomes recebidos na pia
baptismal: não são os nomes que nos fazem grandes ou pequenos, bem ou mal
sucedidos; é, quase sempre, a pessoa que “faz” o nome, associando-lhe, aos
olhos dos outros, prestígio, má fama ou indiferença. Falo-lhes, como exemplo,
do meu desconforto por o meu Pai me ter dado o nome de Joaquim. Achava-o um
nome feio, fora de moda, boçal. Até que o meu tio Carlos, convidado para
padrinho do filho de um seu grande amigo, sugeriu Joaquim para nome do novel
afilhado. Eu soube, por uma tia, que a escolha resultara da minha notoriedade,
à época, enquanto estudante e também do meu jeito futebolístico (titular nos iniciados
do glorioso União de Coimbra). Ou seja, aquele mal-amado nome deviera, por
inconsciente mérito do juvenil proprietário, um nome bonito.
Creio que com as
alcunhas é um processo diferente, quiçá oposto. A alcunha é consequência do
que, na visão dos outros, nos caracteriza essencialmente – às vezes, fruto de
um olhar divertido, outras de um olhar cruel e até insultuoso.
Casado com uma
madeirense, estou habituadíssimo a que, nos fait-divers
narrados por familiares ilhéus, quase sempre em contextos mui domésticos, as
personagens raramente assumam a nomenclatura inscrita no cartão de cidadão. Houve
por lá um vizinho rico que era o Graças-a-Deus, um agente de autoridade
invariavelmente zangado que era o Merda-Seca, um avô alegre que era o Tim-Trrrim,
um comerciante de modos sanguíneos que era o Diabo. E há um político simpático
que é o Sem-Nada, uma amiga da família que é a Fera, uma prima altiva que é a
Delicada, um continental (ou “cubano”) que é o Engalgado.
Em Coimbra, o
meu Pai era o Zé-Bate-Chapas. A minha filha, durante a sua meninice mais tenra,
julgou que Bate-Chapas era mesmo o nome do avô paterno. (Eu próprio fui
referido, em conversas sobre a minha carreira futebolística, como “o
Bate-Chapas-mais-pequeno”.) O meu tio, que era um excelente mecânico de
automóveis, foi vítima da fama profissional do meu Pai (seu irmão) e ficou
conhecido por Fernando-Bate-Chapas (“O Fernando-Bate-Chapas é um mecânico de se
lhe tirar o chapéu!”).
Na terra do
Daniel Abrunheiro, vive certo moço, inteligente e simpático como poucos, que é,
de sua natureza, muitíssimo magro. O nome por que é conhecido? Tarzan. Também
há (isto disse-me o próprio Daniel) um certo senhor muito alto, homem grave e
sereno, cuja estatura e pose impressionaram, durante décadas, os conterrâneos.
A sua alcunha ficou (abençoada seja a alma que fabricou esta metáfora)
Rainha-Santa.
Era para
falar-vos de alcunhas que por pouco se me colavam e às quais escapei nem sei
bem como. Mas já não há espaço para tal. De modo que remato com uma lida em
breve notícia do JN, relativa a um idoso vítima de assalto e infelizmente
falecido pouco tempo depois: este senhor era conhecido, na sua terra, por
Amor-de-Perdição.
Joaquim Jorge Carvalho
[Esta crónica foi publicada no semanário O Ribatejo, edição de 15-09-2016.]
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