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Número de Ondas

terça-feira, 20 de setembro de 2016

ZONA DE PERECÍVEIS (54)



Nomes de Nós

 

Costumo dizer isto aos meus jovens alunos, quando eles se queixam dos nomes recebidos na pia baptismal: não são os nomes que nos fazem grandes ou pequenos, bem ou mal sucedidos; é, quase sempre, a pessoa que “faz” o nome, associando-lhe, aos olhos dos outros, prestígio, má fama ou indiferença. Falo-lhes, como exemplo, do meu desconforto por o meu Pai me ter dado o nome de Joaquim. Achava-o um nome feio, fora de moda, boçal. Até que o meu tio Carlos, convidado para padrinho do filho de um seu grande amigo, sugeriu Joaquim para nome do novel afilhado. Eu soube, por uma tia, que a escolha resultara da minha notoriedade, à época, enquanto estudante e também do meu jeito futebolístico (titular nos iniciados do glorioso União de Coimbra). Ou seja, aquele mal-amado nome deviera, por inconsciente mérito do juvenil proprietário, um nome bonito.

Creio que com as alcunhas é um processo diferente, quiçá oposto. A alcunha é consequência do que, na visão dos outros, nos caracteriza essencialmente – às vezes, fruto de um olhar divertido, outras de um olhar cruel e até insultuoso.

Casado com uma madeirense, estou habituadíssimo a que, nos fait-divers narrados por familiares ilhéus, quase sempre em contextos mui domésticos, as personagens raramente assumam a nomenclatura inscrita no cartão de cidadão. Houve por lá um vizinho rico que era o Graças-a-Deus, um agente de autoridade invariavelmente zangado que era o Merda-Seca, um avô alegre que era o Tim-Trrrim, um comerciante de modos sanguíneos que era o Diabo. E há um político simpático que é o Sem-Nada, uma amiga da família que é a Fera, uma prima altiva que é a Delicada, um continental (ou “cubano”) que é o Engalgado.

Em Coimbra, o meu Pai era o Zé-Bate-Chapas. A minha filha, durante a sua meninice mais tenra, julgou que Bate-Chapas era mesmo o nome do avô paterno. (Eu próprio fui referido, em conversas sobre a minha carreira futebolística, como “o Bate-Chapas-mais-pequeno”.) O meu tio, que era um excelente mecânico de automóveis, foi vítima da fama profissional do meu Pai (seu irmão) e ficou conhecido por Fernando-Bate-Chapas (“O Fernando-Bate-Chapas é um mecânico de se lhe tirar o chapéu!”).

Na terra do Daniel Abrunheiro, vive certo moço, inteligente e simpático como poucos, que é, de sua natureza, muitíssimo magro. O nome por que é conhecido? Tarzan. Também há (isto disse-me o próprio Daniel) um certo senhor muito alto, homem grave e sereno, cuja estatura e pose impressionaram, durante décadas, os conterrâneos. A sua alcunha ficou (abençoada seja a alma que fabricou esta metáfora) Rainha-Santa.

Era para falar-vos de alcunhas que por pouco se me colavam e às quais escapei nem sei bem como. Mas já não há espaço para tal. De modo que remato com uma lida em breve notícia do JN, relativa a um idoso vítima de assalto e infelizmente falecido pouco tempo depois: este senhor era conhecido, na sua terra, por Amor-de-Perdição.

 
Ribeira de Pena, 12 de Setembro de 2016.
Joaquim Jorge Carvalho
[Esta crónica foi publicada no semanário O Ribatejo, edição de 15-09-2016.]

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