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Número de Ondas

sexta-feira, 15 de julho de 2016

ZONA DE PERECÍVEIS (47)




National Geographic

Ei-lo. Reparai como, já bebida a latinha de cerveja e esgotado o maço de tabaco, atira uma e outra embalagens para a estrada, num gesto cheio de cilindradas e ruído. É o mesmo que cigarra, charuta ou cachimba sobre o vizinho de mesa, berra convicções ao telemóvel (no Café, na sala de reuniões, na missa, no auditório municipal) e, não necessariamente bêbedo, urina na rua, com a majestade e a indiferença de uma vaca.
Também o podem apreciar a acompanhar o cão, com paciência e método, rua acima e rua abaixo, várias vezes esperando que o quadrúpede se alivie liquidamente contra o muro de minha casa, ou solidamente no passeio público. Se interpelado, rosna insultos e superiores explicações sobre a natureza biodegradável da excrementação do seu Rex.
O modo como conduz o automóvel é um atestado de virilidade, desesperado grito contra a murcha desconfiança dos outros. Quase nos mata, nos troços quotidianos da vida funcionária, ignorando limites de velocidade, traços contínuos ou curvas sem visibilidade. Aprecie-se a jactância com que, na tasca de destino, recorda mais um recorde de habilidade e lepidez.
Vê-se bem que gosta de sentir o poder nas suas mãos. Bate, com devoção, na mulher e nos filhos, nos adeptos de clubes adversários (mas só se eles estiverem em inferioridade numérica). É profundamente racista e, embora despreze quase todos os conterrâneos, afirma o seu patriotismo através da mais elementar xenofobia. Política e psicologia desaguam no mesmo apotegma: se algo corre mal, a culpa é fatalmente dos outros.
Critica a lei e os juízes, se lhe limitam a concretização impune de impulsos e caprichos. Mas declara o seu amor pelos tribunais, ao invés, se lhe validam os interesses do egozinho, ainda que colidindo com algum pormenor ético ou moral.
Crê-se um sobrevivente, e por isso olha de modo trocista para os românticos deste mundo, esses que estranhamente sacrificam o conforto pessoal à noção de justiça, de bem, de verdade, de lealdade. Na sua taxonomia pessoal, esta gente lamentável caracteriza-se pela fraqueza e pela falta de tino. São (e di-lo com claro desprezo) os totós, os panhonhas, os poetas.
Finalmente, revela um ostensivo ódio à educação e à cultura. Despreza a arte mais burilada, a Música maiúscula, o humor que obriga a pensar, a mariquice da poesia ou do teatro. E, na maioria dos casos, embora se autoproclame catedrático do desporto, não se dá ao incómodo de o praticar.
À primeira vista, chamar-lhe-íamos porco, atendendo ao gosto que revela em refocilar-se na porcaria que ele próprio produz. Mas, atenção, estamos na presença de uma espécie mais complexa: é a besta. A famosa besta-quadrada. Reproduz-se com preocupante facilidade. Anda por aí. É preciso cuidado, leitores.

Vila Real, 08 de Julho de 2016.
Joaquim Jorge Carvalho
[Esta crónica foi publicada no semanário O Ribatejo, edição de 14-07-2016.]

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