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Número de Ondas

quinta-feira, 7 de julho de 2016

ZONA DE PERECÍVEIS (46)



O menino da sua Mãe

Numa esconsa nota à roda da selecção polaca (lida, salvo erro, no JN), soube que o médio Jakub Blaszczykowski - nome de guerra: Kuba – viu a sua Mãe morrer às mãos assassinas do Pai, em 1996. O jogador do Borussia Dortmund era, à época, um menino com apenas 10 anos.
O episódio é suficiente para provocar uma profunda comoção em qualquer ser humano. Mas o textito acrescentava esta informação: agora, quando o polaco obtém um golo, ajoelha-se, olha para o céu e ergue as mãos, como numa prece: assim agradece à Mãe – diz ele – o facto de continuar presente, apesar da morte, iluminando-o, animando-o, inspirando-o.
Quando, em qualquer narrativa ou argumento, aterra a imagem da Mãe, eu sou, sem vergonha nem remorso, um fatal lingrinhas. E, correndo o risco de perder, por estes dias de euforia futebolística, a nacionalidade portuguesa, aqui vos confesso – ai de mim! – que senti, misturado com a doçura da nossa vitória sobre os polacos, um escandaloso travo de amargura. É que o menino Kuba foi, do lugar de onde percebi o jogo, um dos derrotados da noite.
Os meus pacientes leitores já sabem, no momento em que lêem estas perecíveis linhas, se Portugal chegou ou não à final do torneio. Vou imprudentemente supor que sim – e que, na nossa memória, ardem ainda as imagens de um qualquer remate genial (oxalá do rei Ronaldo), um qualquer carrinho salvador de Raphael Guerreiro, um qualquer voo impossível de Rui Patrício. Vamos até, em demencial e infantil devaneio, imaginar que, aí pelas 10 horas da noite do dia 10 de Julho, 12 anos depois de a Grécia nos ter reexplicado o conceito de “tragédia espectacular”, Portugal é campeão europeu de futebol.
Perdoai-me, ainda assim, este pecado lamechas, ó cúmplices foliões da bola - mas eu preferirei para sempre, de entre tantos gestos e dribles e defesas e vitórias, aquela imagem de Kuba, após um golo à Ucrânia, no dia 21 de Junho, ajoelhando-se, erguendo os olhos e os braços para o céu, agradecendo à sua Mãe. Não morta, sublinho: viva, afinal, por o seu menino, lembrando-se dela, não a ter deixado morrer.

Vila Real, 02 de julho de 2016.
Joaquim Jorge Carvalho

[Esta crónica foi publicada no semanário O Ribatejo, edição de 07-06-2016.]

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