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segunda-feira, 4 de julho de 2016

ZONA DE PERECÍVEIS (45)


Portugal em aforismos

Em Portugal, a diferença de rendimentos entre os mais ricos e os mais pobres é cada vez maior e os escândalos de corrupção, roubo e branqueamento de capitais sucedem-se com frequência aterradora, envolvendo não poucas vezes governantes ou ex-governantes. Isto, sublinhe-se, após 42 anos de democracia. Diz o povo, recordando o passado fascista, que não há mal que sempre dure - e completa, recordando o presente vigarista, que tão-pouco há bem que nunca se acabe. Sobre os episódios de corporativismo, nepotismo e amiguismo, o povo filosofa: quem parte, reparte e não fica com a melhor parte, é tolo ou não tem arte.
Apesar de toda a gente em Portugal, por devoção ou obrigação, ir hoje à escola, nunca se viu tanta falta de educação – nos modos dos indivíduos, na violência de palavras e actos, no desprezo pela saúde do planeta, na brutidade para com os semelhantes (mesmo os familiares, mesmo as crianças, mesmo os idosos). O povo diz que o segredo é andar para a frente, porque atrás vem gente, e que entre mortos e feridos alguém há-de escapar.
O Cristiano Ronaldo é o melhor jogador português de sempre, mas a ignorância, a ingratidão e a inveja de muitos compatriotas reduzem-no, com frequência impressionante, a saco de pancada nacional, basta que a bola bata na trave (ou que o guarda-redes dos outros faça uma defesa impossível) – a turba maldizente é célere a ver no madeirense galáctico o culpado de todas as frustrações e de todas as derrotas: babando-se de ódio ou ciúme, o país critica-lhe a autoconfiança, o penteado, o desassombro, as namoradas, a ambição, a fortuna, e uiva-rosna-ladra, sobre a provável injustiça do julgamento popular, que quem não quer ser lobo não lhe veste a pele. Augura também, sibilante: quanto maior é a subida, maior é a queda.
O centrão político anda a governar-se, mais do que a governar-nos, há quase quatro décadas. Não obstante os insultos da vox populi, são sempre os mesmos a ganhar as eleições, tão certo como um e outro serem – os dois – iguais. O povo acha que não vale a pena trocar o certo pelo incerto e que atrás de mim virá quem de mim bom fará. Os eternos donos do poder reforçam esta crença com suposições ominosas acerca das consequências (sempre nefastas) de eventual mudança, tudo com sérias reticências no discurso e com graves reticências no tom do discurso, pois – já se sabe – para bom entendedor, etc., etc.
Posto isto, que não é realmente encomiástico para o meu país e para os meus compatriotas, eu tenho de dizer que amo o meu país e os meus compatriotas. Talvez caiba aqui mais um aforismo: quem o feio ama, bonito lhe parece.

Coimbra, 26 de Junho de 2016.
Joaquim Jorge Carvalho

[Esta crónica foi publicada o semanário O Ribatejo, edição de 30-06-2016.]

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