Capitão
Abril
O filme Clube
dos Poetas Mortos (de Peter Weir) ajudou a emancipar poeticamente a
expressão “Captain, my captain” (em evidência num poema de Walt Whitman),
libertando-a do estrito foro militar de que provém. Era esse o vocativo que os
alunos de Mr. Keating deveriam utilizar quando se lhe dirigissem.
Já revi esta história em muitas ocasiões,
sempre com os meus alunos. Repetem-se em mim as lágrimas de cada vez que, na
despedida daquele extraordinário professor de Inglês, os rapazes da Welton
Academy sobem aos tampos das suas mesas e, desafiando a bruta autoridade da
direcção do estabelecimento, saúdam o Mestre. Atenção: são lágrimas cúmplices,
porque estamos todos – eu e os alunos – no regaço de uma mesma emoção. Caramba,
senhores, aquela é, sem dúvida, uma imagem bela e comovente! E o nosso choro,
ali, é um choro ético e estético.
Às vezes, interrogo-me: que aconteceria,
depois, a Mr. Keating? E que veio a ser dos jovens discípulos de Welton?
Entretanto, sucede que estamos no mês de
Abril, chegados quase ao dia 25. Deixai que leve a escrita por esse lado.
Em 1974, um punhado de portugueses corajosos
arriscou conforto, segurança e vida para, numa madrugada mágica, resgatar
Portugal da Noite. Com o atraso de muitos anos, o país embarcou na modernidade
em que há muito viviam as nações mais desenvolvidas. Acabou-se a guerra,
ganhou-se o direito à livre escolha de governo, recuperou-se a liberdade de
expressão, universalizou-se o direito à educação, à saúde, à justiça.
Entre outros heróis, avulta esse gigante
discreto chamado Salgueiro Maia. É impossível não olhar para Exemplo tão
maiúsculo sem, por um momento, nos revisitarmos nós próprios e nos
interrogarmos sobre o tamanho da nossa dívida. Ou sobre o (talvez insuficiente)
contributo que somos capazes, no presente, de oferecer ao Devir.
Concedo: ao fim de 42 anos de liberdade, tem
sucedido à frescura dos cravos uma espécie de venal enxofre, frequentemente
nauseabundo e insuportável. Ditos por obesas obsolescências sem ideais nem
vergonha, os versos lindos e limpos de Zeca quase parecem estrofes de
cançonetas pimba.
Mas, a cada bofetada do cinismo vácuo-palavroso,
político-partidário, económico-financeiro, eu gosto de pensar no meu Mr.
Keating – e de, ainda que simbolicamente, subir à mesa da minha circunstância
para o saudar. Para gritar que não me esqueço da luz exemplar desse Homem
maior. Para lhe dizer: Capitão Salgueiro Maia, meu Capitão, obrigado. A luta
continua. Ainda somos Abril.
Coimbra,
18 de Abril de 2016.
Joaquim
Jorge Carvalho
[Esta crónica foi publicada no semanário O Ribatejo, edição de 22-04-2016.]
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