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Número de Ondas

segunda-feira, 25 de abril de 2016

ZONA DE PERECÍVEIS (36)

Capitão Abril


O filme Clube dos Poetas Mortos (de Peter Weir) ajudou a emancipar poeticamente a expressão “Captain, my captain” (em evidência num poema de Walt Whitman), libertando-a do estrito foro militar de que provém. Era esse o vocativo que os alunos de Mr. Keating deveriam utilizar quando se lhe dirigissem.
Já revi esta história em muitas ocasiões, sempre com os meus alunos. Repetem-se em mim as lágrimas de cada vez que, na despedida daquele extraordinário professor de Inglês, os rapazes da Welton Academy sobem aos tampos das suas mesas e, desafiando a bruta autoridade da direcção do estabelecimento, saúdam o Mestre. Atenção: são lágrimas cúmplices, porque estamos todos – eu e os alunos – no regaço de uma mesma emoção. Caramba, senhores, aquela é, sem dúvida, uma imagem bela e comovente! E o nosso choro, ali, é um choro ético e estético.
Às vezes, interrogo-me: que aconteceria, depois, a Mr. Keating? E que veio a ser dos jovens discípulos de Welton?
Entretanto, sucede que estamos no mês de Abril, chegados quase ao dia 25. Deixai que leve a escrita por esse lado.
Em 1974, um punhado de portugueses corajosos arriscou conforto, segurança e vida para, numa madrugada mágica, resgatar Portugal da Noite. Com o atraso de muitos anos, o país embarcou na modernidade em que há muito viviam as nações mais desenvolvidas. Acabou-se a guerra, ganhou-se o direito à livre escolha de governo, recuperou-se a liberdade de expressão, universalizou-se o direito à educação, à saúde, à justiça.
Entre outros heróis, avulta esse gigante discreto chamado Salgueiro Maia. É impossível não olhar para Exemplo tão maiúsculo sem, por um momento, nos revisitarmos nós próprios e nos interrogarmos sobre o tamanho da nossa dívida. Ou sobre o (talvez insuficiente) contributo que somos capazes, no presente, de oferecer ao Devir.
Concedo: ao fim de 42 anos de liberdade, tem sucedido à frescura dos cravos uma espécie de venal enxofre, frequentemente nauseabundo e insuportável. Ditos por obesas obsolescências sem ideais nem vergonha, os versos lindos e limpos de Zeca quase parecem estrofes de cançonetas pimba.
Mas, a cada bofetada do cinismo vácuo-palavroso, político-partidário, económico-financeiro, eu gosto de pensar no meu Mr. Keating – e de, ainda que simbolicamente, subir à mesa da minha circunstância para o saudar. Para gritar que não me esqueço da luz exemplar desse Homem maior. Para lhe dizer: Capitão Salgueiro Maia, meu Capitão, obrigado. A luta continua. Ainda somos Abril.

Coimbra, 18 de Abril de 2016.
Joaquim Jorge Carvalho

[Esta crónica foi publicada no semanário O Ribatejo, edição de 22-04-2016.]

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