Estou muito longe daquelas militâncias
partidárias que, por bons ou maus motivos, tendem a enviesar, face à realidade,
as opiniões e os estados de espírito. Mas não foi sem desconforto que me
apercebi da euforia de alguns, nos media,
à roda das últimas exigências feitas pela União Europeia a Mário Centeno. É
ainda mais embaraçoso quando o coro vitorioso (?) dos críticos é ostentado na
sede do poder internacional, na chique & adiposa Bruxelas.
Habituei-me a ouvir, desde a mais tenra
infância, que a roupa suja se lava em casa. Ainda pequeno, a ideia pareceu-me
sensata, quer no sentido de poupar aos outros a exposição, nem sempre bonita,
das imperfeições domésticas (o despedimento do pai, o alcoolismo do avô, a luz
por pagar, a preguiça da prima, a infidelidade do padrinho), quer no sentido de
salvar uma família do olhar crítico ou venenosamente piedoso dos outros. Mesmo
hoje, simpatizo com a ideia de uma espécie de reserva íntima quando o assunto é
a nossa roupa suja (não – atenção! - a roupa suja de sangue, de crimes, de vis
ilegalidades). Nas famílias, nas empresas, nos clubes de futebol, o decoro
ajuda à dignidade na dificuldade e no sofrimento.
Lembrei-me disto sobretudo quando, há uns
tempos, em Bruxelas, certo deputado português ao parlamento europeu, Paulo
Rangel, clamou estridentemente contra as linhas gerais do orçamento do governo
pátrio.
Toda a gente sabe que a independência dos
estados europeus, é hoje, com algumas excepções, uma saudosa memória. Os
ministros das finanças da Europa dos pequeninos vão a Bruxelas (ou a Berlim)
pedir a bênção e, entre enxovalhos e palmadinhas nas costas, afivelam sorrisos
e obedecem à Europa dos grandes. Entre outros atrevimentos, o ministro Centeno
inscrevera no orçamento a necessidade de devolver, aos funcionários públicos e
aos reformados, salários e pensões que lhes foram subtraídos durante anos. Escândalo
à vista.
É sempre comovente observar a defesa da
disciplina financeira feita por deputados e burocratas europeus que vivem como
príncipes, auferindo rendimentos pornográficos. Dói mais quando, entre o coro
ululante, aparece um português a querer ser mais europeu que os alemães ou os
holandeses.
Paulo Rangel quis, em nome da vigilância
europeia, contribuir para o descrédito internacional do novo governo português.
Estará no seu direito. Mas – vista a coisa aqui da minha portuguesa casa –
ficou-lhe muito mal.
Ribeira de Pena, 08
de Março de 2016.
Joaquim Jorge
Carvalho
[Esta
crónica foi publicada no semanário O
Ribatejo, edição de 10-03-2016.]
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