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sexta-feira, 11 de março de 2016

Zona de Perecíveis (30)

Aldeia da roupa suja
 
Estou muito longe daquelas militâncias partidárias que, por bons ou maus motivos, tendem a enviesar, face à realidade, as opiniões e os estados de espírito. Mas não foi sem desconforto que me apercebi da euforia de alguns, nos media, à roda das últimas exigências feitas pela União Europeia a Mário Centeno. É ainda mais embaraçoso quando o coro vitorioso (?) dos críticos é ostentado na sede do poder internacional, na chique & adiposa Bruxelas.
Habituei-me a ouvir, desde a mais tenra infância, que a roupa suja se lava em casa. Ainda pequeno, a ideia pareceu-me sensata, quer no sentido de poupar aos outros a exposição, nem sempre bonita, das imperfeições domésticas (o despedimento do pai, o alcoolismo do avô, a luz por pagar, a preguiça da prima, a infidelidade do padrinho), quer no sentido de salvar uma família do olhar crítico ou venenosamente piedoso dos outros. Mesmo hoje, simpatizo com a ideia de uma espécie de reserva íntima quando o assunto é a nossa roupa suja (não – atenção! - a roupa suja de sangue, de crimes, de vis ilegalidades). Nas famílias, nas empresas, nos clubes de futebol, o decoro ajuda à dignidade na dificuldade e no sofrimento.
Lembrei-me disto sobretudo quando, há uns tempos, em Bruxelas, certo deputado português ao parlamento europeu, Paulo Rangel, clamou estridentemente contra as linhas gerais do orçamento do governo pátrio.
Toda a gente sabe que a independência dos estados europeus, é hoje, com algumas excepções, uma saudosa memória. Os ministros das finanças da Europa dos pequeninos vão a Bruxelas (ou a Berlim) pedir a bênção e, entre enxovalhos e palmadinhas nas costas, afivelam sorrisos e obedecem à Europa dos grandes. Entre outros atrevimentos, o ministro Centeno inscrevera no orçamento a necessidade de devolver, aos funcionários públicos e aos reformados, salários e pensões que lhes foram subtraídos durante anos. Escândalo à vista.
É sempre comovente observar a defesa da disciplina financeira feita por deputados e burocratas europeus que vivem como príncipes, auferindo rendimentos pornográficos. Dói mais quando, entre o coro ululante, aparece um português a querer ser mais europeu que os alemães ou os holandeses.
Paulo Rangel quis, em nome da vigilância europeia, contribuir para o descrédito internacional do novo governo português. Estará no seu direito. Mas – vista a coisa aqui da minha portuguesa casa – ficou-lhe muito mal.

 

Ribeira de Pena, 08 de Março de 2016.

Joaquim Jorge Carvalho

[Esta crónica foi publicada no semanário O Ribatejo, edição de 10-03-2016.]

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