Bússola do Muito Mar

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Número de Ondas

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Fotografias antigas (Notas a sépia) - 3

Muito Bom

Percebi muito cedo que copiar um texto para o caderno, como fazíamos na escola primária, não era já bem copiar um texto. Era mais experimentar certo mesmo caminho, de letras e sentidos, que outra pessoa fizera; sentir nos dedos e na cabeça (às vezes também no coração) as mesmas ideias que outrem sentira; fazer uma cúmplice ginástica de sintaxe e de melodia, irmanado no mesmo ofício da comunicação que alguém (por si, por mim, por nós, connosco) inaugurara.
A minha caligrafia, aí pelos oito anos, era já tão formosa como poderia jamais ser. (A lembrança é ainda mais dramática quando hoje dou por mim a inscrever gatafunhos ilegíveis nos meus diários de bordo!) De modo que, em 1971, a professora (dona Angélica) fez-me uma festinha no crânio e cumprimentou-me publicamente pela perfeição caligráfica, num elogia público que despertou sorrisos na menina Manuela João, a mais bonita (a par da Beatriz) das condiscípulas. A classificação da professora – “Muito Bom”, mãe! - ficou no lado direito da folha como uma certificação de excelência olímpica. Mas o mais importante, soube-o logo, era depois eu lembrar-me para sempre de algumas palavras estranhas e rigorosas, bem como de inteiras frases lindas sobre Portugal, tudo tesouros que o texto copiado me ensinara.
Não só tal, confesso. Numa espécie de continuidade poética, permaneceria também o orgulho da minha mãe e, mais distraído, do meu pai.
E ainda aquele sorriso da Manuela João em tudo quanto eu para sempre visse nos dias seguintes à glória de bem escrever.

Arco de Baúlhe, 25 de Setembro de 2012.
Joaquim Jorge Carvalho

2 comentários:

Nelson disse...

Quanta falta fazem hoje, ainda, as cópias... meu caro amigo!

Abraço
Nelson

Joaquim Jorge Carvalho disse...

Quite right!

Hug.

JJC