terça-feira, 23 de agosto de 2016
Cosmos visto daqui
Juntamos o olhar ao grande Mar
E somos, por olhar, também grandeza;
Vivemos e morremos devagar
Ao colo infinito da Beleza.
Baía de Machico, 18-08-2016.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem foi colhida, com a devida vénia, em http://www.jm-madeira.pt.]
ZONA DE PERECÍVEIS (51)
Mundo por ver
Toda a gente tem
uma prima ou uma tia que, em certo momento, no decurso de uma visita
turístico-cultural (a uma praia, a um castelo, a uma exposição, a uma igreja, a
um museu), exclama: “Vamos embora, que isto já está tudo visto!”
São as mesmas pessoas
que, por terem passado uns dias nos Açores, ou na Madeira (ou em Coimbra, ou no
Minho, ou em Trás-os-Montes), garantem aos interlocutores um conhecimento
exacto e completo daquilo tudo.
Tamanha presunção, apesar da paciência quase infinita a que denodadamente me
obrigo, irrita-me, sobretudo quando estas vozes tão auto-suficientes se referem
a lugares muito presentes na minha própria biografia. Por exemplo, eu tenho 53
anos de Coimbra e nunca direi que conheço “aquilo tudo”, ó querida tia (ou
prima, ou vizinha, ou colega, ou senhor que conheci casualmente no casamento do
meu cunhado Paulo).
Por razões
familiares, venço às vezes o meu medo patológico de voar – e lá venho, no
remanso de Agosto, à Madeira. (Nota: o avião que me trouxe, no passado dia 2,
chamava-se Fernando Pessoa. Uma multidão, portanto, com motor.) Nunca me canso
de admirar a baía de Machico. Em especial, o Mar, meu habitat primordial, que vejo pouco no resto do ano. Esta crónica
foi escrita, aliás, ao som das ondas rebentando nos calhaus, espécie de tributo
musical à eternidade. Já aqui estive tantas vezes, caros leitores, a olhar para
esta paisagem. E nunca seria – nunca serei – capaz de dizer, sobre isto, que está tudo visto.
Coimbra, 01 de Agosto de 2016.
Joaquim Jorge Carvalho
[Esta crónica foi publicada no jornal O Ribatejo, edição de 04-08-2016.]
segunda-feira, 8 de agosto de 2016
Praia de Machico

Um avião de partida,
Outro chegando do Norte;
Que tem isto a ver com a vida?
Que tem isto a ver com a morte?
Vejo o mundo belo e tosco
Volátil, frágil abrigo;
Que tem isto a ver connosco?
Que tem isto a ver comigo?
Crianças brincam no cais,
Um barco cruza a baía;
Que há nisto de sinais?
Que há nisto de poesia?
Machico (Madeira), 08 de Agosto de 2016.
Joaquim Jorge Carvalho
[Foto de VL.]
ZONA DE PERECÍVEIS (50)
Contradanças
Os gregos têm duas
palavras para o conceito de tempo (a grafia é opção minha): Kairos e Kronos – esta para significar a física passagem de segundos,
minutos, horas, dias meses, anos; aquela para dizer a vida verdadeiramente
importante, os instantes que não mais esquecemos, nos marcam e nos fazem, pelo
sofrimento, pelo espanto, pela alegria, crescer.
Os anglófonos usam
uma expressão muito interessante para o tempo kairónico: quality time [tempo de qualidade]. Num intervalo, pequenino embora,
da sua rotina obrigatória, pais jogam à bola com os filhos na rua, ou assistem aos
treinos de futebol da prole, debatendo jogadas, medindo a exigência dos
treinadores, celebrando a beleza das camisolas novas. É o tempo da felicidade,
aquele, como melhor hão-de tragicamente perceber todos, no futuro.
Eu, entre outras
experiências de alegria autêntica, aproveito o kairónico Verão para ler. Desde
Junho para cá, li ou reli Arte, de
Yasmina Reza, Elegia Para um Caixão Vazio,
de Baptista-Bastos, Calvin & Hobbes
(os volumes todos), de Bill Watterson, Cinco
Esquinas, de Mario Vargas Llosa, Refúgio
Perdido, de Soeiro Pereira Gomes, A
Morte é um Acto Solitário, de Ray Bradbury, O Pó da Sombra, de João de Mancelos, Terminação do Anjo, de Daniel Abrunheiro, e Contradanças – Cartas e Poemas de Camões, do deus Luís Vaz. A
aparente incoerência do conjunto decorre da minha absoluta e inegociável
liberdade para pegar num livro mais à mão e levá-lo comigo (para o carro, para
o Café, para a praia, para a casa-de-banho, para a cama). Nisto de leituras,
sou a minha própria universidade, autor e dono do meu programa de estudos,
responsável pela minha bibliografia, professor e aluno consubstancialmente.
Em Contradanças (Porto, Ed. Guerra &
Paz, 2011), revisitando Camões, dei por mim a achar que algumas das cartas do
autor de Os Lusíadas poderiam ser
respostas a uma entrevista que eu lhe estivesse fazendo durante a leitura. Seguem-se
alguns exemplos.
Eu: Vejo-o triste,
Luís Vaz. Deveria olhar à sua volta e, perante as gentes felizes que
encontrasse, alegrar-se também...
Camões (página
22): “Pouco sabe da tristeza quem, sem remédio para ela, diz ao triste que se
alegre; pois não vê que alheios contentamentos a um coração descontente, não
lhe remediando o que sente, lhe dobram o que padece.”
Eu: Mas não deixa,
mesmo quem tem problemas, de ter a sorte essencial que é viver...
Camões (página
25): “No mundo não tem boa sorte senão quem tem por boa a que tem.”
Eu: Mas esse
pessimismo, ainda que por razões verdadeiras, acaba por afastá-lo do mundo...
Camões (página
28): “Ou se há-de viver no mundo sem verdade, ou com verdade sem mundo.” [Na
verdade, só se pode bem] “saber as cousas a passar por elas, [e] há mais
diferença que a de consolar e ser consolado. Mas assim entrou o Mundo, e assim
há-de sair: muitos a repreendê-lo e poucos a emendá-lo.”
Eu: Dou por mim,
Luís Vaz, a lamentar quem não encontre na literatura o consolo e a luz que nela
pode haver.
Camões (página
54): [Por isso lhe remeto a minha escrita, a si expressamente dedicada, e] “se
lha não derem, saiba que é a culpa da viagem, na qual tudo se perde.”
Nem tudo, Luís
Vaz. Nem tudo.
Coimbra, 01 de Agosto de 2016.
Joaquim Jorge Carvalho
[Esta crónica foi
publicada no semanário O Ribatejo,
edição de 04 de Agosto de 2016.]
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