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Número de Ondas

terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

ZONA DE PERECÍVEIS (27)


Petas, patos e pathos

 

Os últimos dias trouxeram ao país muita chuva e, entretidos no assombro pelas inundações habituais, os portugueses talvez tenham menosprezado algumas catástrofes igualmente admiráveis.
Por exemplo, o ex-primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, deu uma entrevista ao JN garantindo a bondade da sua governação, nomeadamente no que se refere à estabilidade fiscal, à distribuição equitativa da austeridade, à saúde financeira do Banif e à exigência que, consigo ao leme, chegou à Educação. Muitos patos – conhecidos e anónimos – bateram palmas ao discurso, varrendo para debaixo do tapete esse pormenor de a realidade muito contrariar Sua Excelência.
Por exemplo, o presidente da República cessante, Aníbal Cavaco Silva, condecorou um conjunto variegado de ex-ministros pelo facto singelo – e exclusivo – de terem aceitado os respectivos cargos. Ainda me comove a imagem de Miguel Relvas (amigo dilecto de Passos Coelho) aceitando a medalhinha, ele que representa um notável exemplo da exigência que o PSD perseguiu, com denodo, na Educação e em outros departamentos. Muitos patos – conhecidos e anónimos – bateram palmas. Ainda assim, a maioria, com vergonha ou cinismo, assobiou para o lado e encolheu os ombros.
Por exemplo, o sr. Schaüble ralhou com o governo português por estar a devolver (sublinho: não a dar, não a oferecer – a devolver) salários e pensões e, por essa escandalosa razão, ser responsável por alguma agitação dos mercados. Esta circunstância fez as delícias de alguma comunicação social e da direita mais trauliteira (patos & outros).
Aqui vos confesso: sinto espanto e nojo, em doses iguais, perante o topete de algumas figurinhas e figurões. Na minha terra, chamamos-lhe “lata” (ou “latosa”). De qualquer modo, exceptuando algum desabafo doméstico ou cronístico, eu tendo sobretudo a optar pelo desprezo em forma de silêncio. Depois da chuva, o eventual brilho da lata deles há-de redundar em ferrugem. E, espero eu, até os patetas mais patetas perceberão também o significado de patético.

 
Ribeira de Pena, 15 de Fevereiro de 2016.
Joaquim Jorge Carvalho
[Esta crónica foi publicada no semanário O Ribatejo, edição de 19-02-2016.]

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