CR7, ou o cronista outra vez criança
A
paixão pelo futebol é, em mim, uma das mais puras e perenes marcas da infância.
Não tenho vergonha deste amor pueril e deliberadamente me sujeito à alienação
semanal que ele compreende: a minha vida presa por uma bola na trave, uma
defesa impossível, certo drible corrido que, por instantes, vale mais que
literatura, emprego, saúde, vizinhança.
Ao
longo de anos, coleccionei ídolos, sobretudo os de leão ao peito. O clubismo,
como eu o vejo, é sempre uma história de amor – chega-nos dos pais, dos irmãos,
de um primo divertido, de um amigo. Às vezes, também da própria dinâmica de
vitória que, em certos ciclos (anos, décadas), alguns emblemas protagonizam e
mediaticamente celebram.
Eu sou
do Yazalde, do Damas, do Jordão, do Salif Keita, do Manoel, do Futre, do Figo,
do Cristiano Ronaldo e, mais recentemente, do Bryan Ruiz. Tendo a desculpar,
com preconceito sanguíneo, as falhas dos meus eleitos, desviando culpas para o
estado do terreno, a brutidade dos adversários, a inépcia do treinador, a má
vontade dos colegas, a venalidade do árbitro. Tudo isto há-de soar a criancice,
mas (já vo-lo disse) é uma criança que sobre isto perora.
Tem-me
doído muito, na presente época futebolística, o brilho mais baço do Cristiano
Ronaldo. Sou seu feroz adorador desde há uns bons doze anos. Há nele tudo o que
se quer de um grande jogador: capacidade físico-atlética, técnica, talento,
ambição, eficácia. Marca com o pé esquerdo e o direito, marca de cabeça,
desmarca-se, cruza e dribla de forma perfeita, é veloz como um felino na selva,
eleva-se com a majestade de uma ave maior.
Os
detractores, normalmente, diminuem-no face a Messi com um argumento
escandaloso: o argentino é – dizem – um talento natural; a capacidade de Ronaldo decorre, ao invés (?), de muito
treino, logo – dizem – é artificial.
Como se a busca (esforçada, sistemática, persistente) da perfeição fosse,
afinal, sinal de fraqueza ou demérito!
Eu,
que admiro Messi porque gosto de grandes jogadores, sou do Ronaldo. E não quero
saber se ele é vaidoso, arrogante, egocêntrico, infiel às namoradas. Nada tenho
que ver com tal. Fernando Pessoa, o meu CR7 da poesia, também se dedicava ao
álcool e à astrologia, e isso é, para mim, pouco mais que um folclore menor,
quiçá irrelevante.
Dou
graças, sim, por ser contemporâneo de Cristiano Ronaldo, o divino número 7 da
selecção portuguesa.
Ribeira
de Pena, 24 de Novembro de 2015.
Joaquim
Jorge Carvalho
[Esta
crónica foi publicada no semanário O
Ribatejo, edição de 27-11-2015.]
Sem comentários:
Enviar um comentário