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Número de Ondas

terça-feira, 1 de dezembro de 2015

ZONA DE PERECÍVEIS (16)

CR7, ou o cronista outra vez criança

A paixão pelo futebol é, em mim, uma das mais puras e perenes marcas da infância. Não tenho vergonha deste amor pueril e deliberadamente me sujeito à alienação semanal que ele compreende: a minha vida presa por uma bola na trave, uma defesa impossível, certo drible corrido que, por instantes, vale mais que literatura, emprego, saúde, vizinhança.
Ao longo de anos, coleccionei ídolos, sobretudo os de leão ao peito. O clubismo, como eu o vejo, é sempre uma história de amor – chega-nos dos pais, dos irmãos, de um primo divertido, de um amigo. Às vezes, também da própria dinâmica de vitória que, em certos ciclos (anos, décadas), alguns emblemas protagonizam e mediaticamente celebram.
Eu sou do Yazalde, do Damas, do Jordão, do Salif Keita, do Manoel, do Futre, do Figo, do Cristiano Ronaldo e, mais recentemente, do Bryan Ruiz. Tendo a desculpar, com preconceito sanguíneo, as falhas dos meus eleitos, desviando culpas para o estado do terreno, a brutidade dos adversários, a inépcia do treinador, a má vontade dos colegas, a venalidade do árbitro. Tudo isto há-de soar a criancice, mas (já vo-lo disse) é uma criança que sobre isto perora.
Tem-me doído muito, na presente época futebolística, o brilho mais baço do Cristiano Ronaldo. Sou seu feroz adorador desde há uns bons doze anos. Há nele tudo o que se quer de um grande jogador: capacidade físico-atlética, técnica, talento, ambição, eficácia. Marca com o pé esquerdo e o direito, marca de cabeça, desmarca-se, cruza e dribla de forma perfeita, é veloz como um felino na selva, eleva-se com a majestade de uma ave maior.
Os detractores, normalmente, diminuem-no face a Messi com um argumento escandaloso: o argentino é – dizem – um talento natural; a capacidade de Ronaldo decorre, ao invés (?), de muito treino, logo – dizem – é artificial. Como se a busca (esforçada, sistemática, persistente) da perfeição fosse, afinal, sinal de fraqueza ou demérito!
Eu, que admiro Messi porque gosto de grandes jogadores, sou do Ronaldo. E não quero saber se ele é vaidoso, arrogante, egocêntrico, infiel às namoradas. Nada tenho que ver com tal. Fernando Pessoa, o meu CR7 da poesia, também se dedicava ao álcool e à astrologia, e isso é, para mim, pouco mais que um folclore menor, quiçá irrelevante.
Dou graças, sim, por ser contemporâneo de Cristiano Ronaldo, o divino número 7 da selecção portuguesa.

Ribeira de Pena, 24 de Novembro de 2015.
Joaquim Jorge Carvalho

[Esta crónica foi publicada no semanário O Ribatejo, edição de 27-11-2015.]

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