Bússola do Muito Mar

Endereço para achamento

jjorgecarvalho@hotmail.com

Número de Ondas

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

Rendimento mínimo

 
No início do estudo do texto poético, um aluno faz um esgar de dor, adivinhando talvez o mortal aborrecimento que, julga, se seguirá. "Poesia para quê, s'tor? Qual é a utilidade disso?", pergunta-me de chofre.
Invisto algum tempo na resposta.
Entre batatas e literatura, não há que enganar, ganham as batatas. O ser humano tem como primeira - inata - obrigação a sobrevivência.
Acontece que, por razões que Darwin, a seu modo, explicou, tudo evolui: o mundo, a vida e os conceitos acerca do mundo e da vida. Não basta hoje sobreviver. As pessoas precisam de viver.
De modo que, garantidas que estejam as batatas, o ser humano ganha força (física e mental) para olhar mais longe e mais dentro de si. É nesse instante que a poesia (ou a arte em geral) fará a sua justa aparição e se tornará, de então em diante, uma necessidade gritante e imorredoira. Sem falar no papel da poesia quando, nem que seja por segundos, liberta o ser humano dessa primária dependência das batatas.
Não imaginamos hoje a nossa vida sem música, ou sem cinema, ou sem pintura, ou sem teatro. Por mim, não imagino - em especial - a minha vida sem literatura, isto é, sem grandes histórias, sem grandes aventuras, sem grandes romances, sem grandes dramas, sem poesia. Não imagino a minha vida sem linguagem que realmente diga o que vejo, sinto, temo, sonho. Sem linguagem que me diga, que nos diga.
Ouço muitas vezes falar de rendimento mínimo garantido. Creio, aliás, que se trata, enquanto ideia, de algo positivo: um formoso contributo humanista para a desejada justiça social. Mas há, senhores, outras fomes por saciar, outras habitações em falta por construir, outros territórios de liberdade por oferecer. O nosso mundo também precisa, caros alunos, de um rendimento mínimo de poesia.
Vamos lá escrever o sumário...

Arco, 27 de Fevereiro de 2015.
Joaquim Jorge Carvalho
[A  imagem reproduz  um livrinho que ofereci à minha filha assim que ela aprendeu  a ler. Tenho saudades do tempo em que, em família, o líamos todos pela primeira vez.]

Sem comentários: