Morreu
ontem, mas não bem, António Ramos Rosa. Digo que não bem morreu
porque este homem escreveu. Melhor: porque este homem escreveu muitas
e lindas páginas. Creio que a literatura, se for mesmo boa, é
razoavelmente imorredoira. E é esse pedaço de Ramos Rosa que foge,
afinal, à escravidão da notícia de sua morte.
Há
vinte anos, numa das Escolas onde lecionei, tive cinco alunos espanhóis,
beneficiários de um qualquer programa de intercâmbio. Foram, durante um período
letivo, estudantes verdadeiramente interessados e meritórios. Lembro-me de, à
despedida, ter oferecido, a cada um deles, um livrinho de poemas. O autor era -
adivinhais - António Ramos Rosa. Esse será, talvez, um eficaz testemunho
da admiração que nutro, desde há muito, por este nosso poeta (tão) solar.
Na
minha dissertação de doutoramento, tive oportunidade de o citar, a propósito
de um belíssimo
poema, intitulado “O horizonte das palavras”. Aí, António Ramos Rosa
explica a pulsão da escrita como a
tentativa aturada, constante, sistemática, dedicada e inevitável de encontrar
as palavras que digam o mundo, o nosso mundo, e nos digam a nós no mundo. As
palavras não substituem o mundo, sublinhe-se; mas são uma necessidade para
encontrar uma linguagem, uma estratégia, um equilíbrio, um alvor, um horizonte de verdade essencial que anima
quem escreve (e, em sendo bem sucedida a comunicação, quem lê):
Eu sou agora o que a linguagem mostra
nas suas verdes estratégias, nas suas pontes
de música visual: o equilíbrio preenche os buracos
com arcos, colinas e com árvores.
Um alvor nasceu nas palavras e nos montes.
O impronunciável é o horizonte do que é dito.
(Cf. António Ramos Rosa, Acordes, Quetzal Editores 1990, 2.ª edição, p. 81.)
nas suas verdes estratégias, nas suas pontes
de música visual: o equilíbrio preenche os buracos
com arcos, colinas e com árvores.
Um alvor nasceu nas palavras e nos montes.
O impronunciável é o horizonte do que é dito.
(Cf. António Ramos Rosa, Acordes, Quetzal Editores 1990, 2.ª edição, p. 81.)
Adeus, mas não bem adeus, António Ramos Rosa.
Cabeceiras de Basto, 25 de Setembro de 2013.
Joaquim Jorge Carvalho
2 comentários:
Nenhum de nós estará morto após a morte, porque sempre poderemos ser recordados por nossas palavras, e dentro delas existe vida. Nossa vida!
http://lysfernanda.blogspot.com.br/2013/09/do-po-aco.html
Gosto muito da ideia (e muitíssimo concordo): há vida dentro das palavras e as palavras sobrevivem ao desaparecimento físico de quem no-las ofereceu. Certo! Beijinho, Lys.
JJC
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