Bússola do Muito Mar

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Número de Ondas

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

S. Martinho cá de dentro


1. Mil vezes tentei actualizar, junto dos meus alunos, a lenda de S. Martinho. Com maior ou menor eficácia (e maior ou menor brilho), já os pus a reflectir sobre a pobreza e a fome no mundo, o racismo, as guerras, a violência, a injustiça.
2. Lembrei-me, hoje, uma vez mais, de meu sogro, o Mestre João. Em tantas ocasiões dei por mim a duvidar que tanta bondade pudesse - mesmo - habitar o coração de um humilde contemporâneo da minha biografia. Família, amigos, até desconhecidos eram, para si, urgências, quero dizer, gente que dele facilmente levaria o pão, a roupa, o dinheiro que tivesse.
3. Agora que, de novo, recordo este santo, realço sobretudo a sua generosidade em matéria de Tempo e Atenção. Tempo e Atenção à disposição dos outros, reparai: não há maior Ouro para oferecer, na economia dos corações, que isso.
4. Nos últimos dois anos de vida do Mestre João, andei a escrever, em seu nome, para ministérios, secretarias, tribunais, procuradores, reclamando do facto provadíssimo de lhe subtraírem à pobre reforma cerca de cem Euros. Enviei, a cada missiva, declarações timbradas, fundamentações legais, contabilidades com carimbo oficial. Toda a gente respondia que sim senhor, teria razão, mas que o requerimento era para fazer em outro qualquer serviço; ou que o prazo para reclamar expirara; ou que só com advogado (e ao fim de muito tempo) seria possível julgar este caso; etc.
5. Fiz questão de, na maioria dos requerimentos, lembrar a idade provecta do requerente e, em concomitância, o tempo correr contra a própria possibilidade de reparação de justiça. A ideia que, em seu nome (e, sem muito empenho, ele próprio poderia verbalizar) era: morrendo, como compensariam a injustiça feita?
6. O Mestre João, com mais ou menos dinheiro, foi dando tudo quanto tinha a todos quantos com ele privavam ou a ele recorriam. E, entretanto, morreu. A história, em sua crueza, é esta.
7. E agora, que andamos - por exemplo - a pagar com o dinheiro que nos roubaram (salários, subsídios) loucuras como o BPN, as parcerias público-privadas, etc., recordo-me de novo deste homem tão maior que a pátria degradada onde viveu.
8. O meu sogro é a ideia verdadeira de S. Martinho. Aquele (este) Portugal hediondo (feito de notáveis como Sócrates, Passos Coelho, Dias Loureiros & Varas) é o contrário de S. Martinho.
Tenho dito.

Ribeira de Pena, 10 de Novembro de 2011.
Joaquim Jorge Carvalho

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