Bússola do Muito Mar

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Número de Ondas

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

5 Aforismos reformados (2)


Quem parte e reparte e não fica com a maior parte - ou sou eu ou é de Marte.

Dá Deus as vozes a quem não tem gentes.

Amigo que rouba amigo tem cem anos de castigo.

Quem tudo cala pouco acerta.

A mentira tem as pernas putas.

Ribeira de Pena, 21 de Novembro de 2013.
Joaquim Jorge Carvalho

[A imagem foi colhida, com a devida vénia, em http://www.antoniobokel.com.]

Chama


Este meu pobre coração tem a forma de um fósforo que, a cada escurecer, magicamente se renova. Acende-se, normalmente, ao aproximar-se das altas temperaturas da Beleza, mas também se incendeia, tantas vezes, no contacto com a lixa da realidade irregular.

Ribeira de Pena, 21 de Novembro de 2013.
Joaquim Jorge Carvalho

[A imagem foi colhida, com a devida vénia, em http://www.infoescola.pt.]

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

A Casa misteriosa


Quando chegou ao País da Sabedoria, Rui estranhou o facto de haver tão poucas casas. Uma senhora elegante e amável esclareceu-o:
- Muitos dos nossos habitantes partilham o mesmo tecto…
À frente de uma linda casa, à entrada da rua principal da cidade mais antiga do País, o rapaz viu um senhor muito bem vestido, de modos correctos, que observava algo nos céus. Ao fim de dois minutos, o homem entrou.
A senhora elegante e amável explicou quem era aquela figura tão delicada e firme:
- É o senhor António Média. A sua profissão é informar. Precisamos muito dele em casa. Dá-nos factos, faz-nos relatos de acontecimentos, mantém-nos sempre actualizados.

Depois, chegou uma menina vestida de azul e verde, linda como uma manhã de Primavera. O Rui suspirou, sentindo palpitações no coração.
- Quem é aquela?
- É a menina Sofia Poesia – disse a senhora amável. – Passeia pelos bosques, pela cidade, pela praia, e traz, a cada nova viagem, uma canção, um poema, uma forma única de olhar para o mundo que oferece aos habitantes da casa. Sem ela, não saberíamos, tantas vezes, como explicar verdadeiramente o que sentimos ou somos.

Logo a seguir, chegou um casal de velhinhos muito simpáticos, que cumprimentaram quem passava antes de entrarem na casa. O Rui já nem teve de perguntar fosse o que fosse, pois a senhora amável de imediato satisfez a sua curiosidade:
- Aqueles são o casal Narrativa. Ela é Maria dos Contos e Lendas. Ele é o José dos Romances. São um precioso tesouro da casa, porque estão sempre a lembrar-se de histórias maravilhosas, que partilham com quem os quer ouvir. São sempre belas histórias que descobriram ou que simplesmente inventaram. Ouvindo-os, é como se o mundo recuperasse, no nosso entendimento, alguma espécie de ordem e de claridade.

Finalmente, era já quase noite, chegou uma senhora loira com os seus muitos filhos alegres e barulhentos. Ao caminhar, a mãe ia dizendo, segundo pareceu a Rui, frases admiráveis, porque as crianças à volta soltavam interjeições de espanto (oh!, ah!, ui!, eh!) e, por vezes, batiam palmas.
- É a madame Núria Teatro. Diverte muito os habitantes da casa e do nosso País em geral. Nos seus gestos, nas suas palavras, até nos seus silêncios, vemos reflectida a nossa vida essencial.

O Rui estava muito impressionado. E fez uma última pergunta:
- Mas, afinal, como se chama esta casa, minha senhora?
A dama, sempre amável, respondeu:
- Chama-se Livro. Sou eu a sua guardiã, a mademoiselle Leda Leitura. Podes visitar-nos sempre que queiras.

Arco de Baúlhe, 19 de Novembro de 2013.
Joaquim Jorge Carvalho

[A imagem foi colhida, com a devida vénia, em gabigabiruska.com. Este texto foi elaborado no âmbito do trabalho da promoção da leitura que venho levando a cabo, no seio da Biblioteca da minha Escola.]

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Para sempre navegar


Farto da terra serena
Saí do cais de meus pais
Numa barquinha pequena
Buscando no mar sinais
D' ilha que valesse a pena.
- Adeus, até nunca mais!

Ribeira de Pena, 18 de Novembro de 2013.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem foi colhida, com a devida vénia, em http://www.zazzle.pt.]

Manual de sobrevivência



Há olhares, sabes, como dedos
E enlevos como palatos provando
A paisagem.

Há palavras como pés dançarinos
E abraços súbitos como náufragos
Salvando-se da morte.

Há homens devindo poetas
Decorosamente chorando a ausência
De mundo disponível.

Há música que arrancamos ao cimento
Dos dias, beijos conquistados ao caroço
De frutos caídos.

Há delicados malabarismos de alma
Equilíbrios hábeis de coração e pão
Trapezismos de sonho.

Outros modos de sobreviver não
Sei.

Ribeira de Pena, 18 de Novembro de 2013.
Joaquim Jorge Carvalho

[A imagem foi colhida, com a devida vénia, em http://www.contracorrentealternativas.blogspot.com.]

domingo, 17 de novembro de 2013

Cansaço


A prosa do mundo chove sobre nós. Os ideais estão em saldo, sonhar é motivo de troça oficial, Durão Barroso é presidente de não sei  quê na Europa e está cada vez mais gordo e vácuo, temos o pior governo de que há memória, muitos comentadores televisivos acusam-me de viver acima das minhas possibilidades, eu que comi caldo verde ao almoço e me concedo, parcas vezes, o luxo de jantar uma francesinha no centro comercial, ponho-me a duvidar da legitimidade da minha respiração, não sei se o oxigénio  que consumo paga juros, da água sei já que é um luxo e por isso vai ser privatizada, Nuno Crato condenou entretanto ao desemprego milhares de colegas que fazem falta à Escola, conheço alunos com necessidades educativas especiais cujas necessidades educativas deixaram, por decisão governamental, de existir, um certo (abominável) César das Neves, com obesa certeza, diz que aumentar o salário mínimo é, para os pobrezinhos, algo criminoso, sem corar de vergonha, e o licenciado Passos Coelho diz, sorrindo numa sala  em Cantanhede, que a Irlanda é um exemplo para nós por ter imposto mais sacrifícios do que os que em Portugal conhecemos, isto tudo, sublinho, num contexto de frio gradualmente maior e de uma penúria de esperança grassando pelo espaço e tempo que me é dado, ainda, viver. Sinto-me acossado, cansado, tão cansado que...

Ribeira de Pena, 17 de Novembro de 2013.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem foi colhida, com a devida vénia, em http://www.naoperguntou.blogspot.com.]

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

5 aforismos reformados (1)


Há mares que vêm por bem.

Quem morre por gosto não dança.

A esperança é a última a morder.

Homem pequenino, velhaco ou menino.

Mais vale nenhum pássaro na mão que mãos sem voar.

 

Cabeceiras de Basto, 13 de Novembro de 2013.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem foi colhida, com a devida vénia, em http://www.construirtextos.blogsot.com.]

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Refrega


É pequeno e pobre o meu poder,
que tão pouco ordeno, quase nada
obtenho, por exemplo, a proibir
a morte, a suspender despedidas, a
ressuscitar-te juvevirginal chegando,
lembras-te, oferecendo-me o beijo
para sempre primeiro.

Defendo-me mal, tu sabes, apenas
sobrevivo.
Atiro canhões de naïves nuvens contra
o exército da mo(r)dernidade, isto é,
o cimento diário que nos atiram
para cima, e a minha guerra é afinal 
talvez ridícula e improdutiva, apesar
de melodiosa e às vezes bela.

A prosa, meu amor, vai-nos ganhando
o mundo.
E até a minha revolta frequentemente é 
mal compreendida:
vê tu como eu ergo um poema contra
a brutidade inimiga
e o impronunciável general vencedor confunde 
estes meus versos
na ousada folha branca
com uma usada rendição.

Mas não, amor, não.

Vila Real, 09 de Novembro de 2013.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem foi colhida, com a devida vénia, em http://www.ocontraditorio.pt.]

2 quadras com desejo no fim (cf. Le plaisir du texte, de Barthes)


1
Basta a sugestão indicial
De coxa ou quase seio que não vejo
Para eu me acender da seminal
Dor talvez amável do desejo.

2
Sei bem dessa mínima nudez
Minúscula janela de ensejo
Que acende no meu olhar burguês
Selvagens labaredas de desejo.

Vila Real, 10 de Novembro de 2013.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem (do filme de Brian de Palma, Testemunha de um crime) foi colhida, com a devida vénia, em http://www.olhar.sapo.pt.]

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Os Cinco, de Enid Blyton: a aventura de ler

Enid Blyton nasceu em Londres, em 1897. Embora a sua escrita se tenha destinado, maioritariamente, aos mais jovens, é hoje um dos nomes mais populares da literatura universal. Desde cedo revelou uma capacidade notável para criar histórias cheias de aventura e emoção. Os seus heróis não se limitavam, na maior parte dos casos, a uma história em particular: a autora parecia não ser capaz de se desligar tão facilmente destas personagens tão cheias de vida, pelo que em muitos casos um título dava início a uma série de volumes. Foi o caso, por exemplo, de Noddy, Os Cinco, Os Sete, ou As gémeas.
Enid Blyton foi um fenómeno em matéria de imaginação e labor. Ao longo da sua existência de 71 anos, escreveu cerca de 800 livros. As suas obras estão traduzidas um pouco por todo o mundo, em mais de noventa línguas.
Esta autora inglesa marcou maravilhosamente a minha infância e o meu princípio de adolescência. Habituei-me a comprar, um a um, os livros da colecção “Os cinco” e muitas vezes tive a sensação de que o Júlio, a Ana, o David, a Zé e até o cão Tim eram meus colegas diários de brincadeiras e cumplicidades.
Quando casei, tinha um irmão pequeno, de dez anos apenas. Notei que ele estava triste por eu sair de casa e, num rasgo emotivo, ofereci-lhe os vinte e um volumes da coleção de “Os cinco”. Ele, infelizmente nunca foi dado à leitura e, como me confessou mais tarde, não chegou a ler um dos voluminhos sequer. Mas, doze anos mais tarde, na altura do seu próprio casamento, teve também um gesto sublime: sabendo que a minha filha, então já com nove anos, adorava ler, veio a minha casa e ofereceu-lhe os vinte e um livros da colecção…
As aventuras destas cinco personagens (sim, o fiel e corajoso Tim também é uma personagem) têm uma dimensão de “policial”, mistério e suspense. Mas são sobretudo viagens por lugares interessantíssimos, em que os jovens primos (Júlio, David e Ana são primos da simpática e “arrapazada” Zé) vivem histórias emocionantes, separados da autoridade e conforto das respectivas famílias, solucionando enigmas ou reparando injustiças com esforço, bravura e inteligência.
Como eu invejei, tantas vezes, as merendas deliciosas que, no intervalo ou no fim das aventuras, as mães da Zé ou dos outros três primos preparavam para os esfomeados jovens!
Sei que houve já uma série televisiva inspirada nestes heróis e que hoje podemos rever as histórias em DVD. Mas nada – nada mesmo! – consegue substituir a magia de, pela leitura, viajarmos com os primos mais aventureiros que jamais conheci!
A colecção completa compreende os seguintes títulos: Os Cinco na Ilha do Tesouro (1942); Os Cinco numa Nova Aventura (1943); Os Cinco Voltam à Ilha (1944); Os Cinco e os Contrabandistas (1945); Os Cinco e o Circo (1946); Os Cinco e os Espiões (1947); Os Cinco e os Comboios Misteriosos (1948); Os Cinco Metem-se em Sarilhos (1949); Os Cinco e a Cigana (1950); Os Cinco e as Jóias Roubadas (1951); Os Cinco Divertem-se a Valer (1952); Os Cinco e a Luz Destruidora (1953); Os Cinco no Pântano Misterioso (1954); Os Cinco numa Aventura Americana (1955); Os Cinco e as Passagens Secretas (1956); Os Cinco e os Aviadores Desaparecidos (1957); Os Cinco e o Mistério na Neve /1958); Os Cinco e os Gémeos Silenciosos (1960); Os Cinco nos Rochedos do Demónio (1961); Os Cinco e a Ilha dos Murmúrios (1962); Os Cinco e o Cientista Distraído (1963).
No ano em que Enid Blyton publicou o último livro de “Os cinco”, nascia em Coimbra um bebé gordinho a quem deram o nome de Joaquim Jorge Carvalho. Mal sabia ele que, à sua espera, estavam vinte e uma aventuras prontinhas a consumir…

Arco de Baúlhe, 06 de Novembro de 2013.
Joaquim Jorge Carvalho
[Texto elaborado no âmbito da promoção da leitura na Escola Básica de Arco de Baúlhe.]



O Soldado João, de Luísa Ducla Soares: literatura contra a guerra



Luísa Ducla Soares nasceu em Lisboa, a 20 de julho de 1939. Licenciou-se em Letras, em Filologia Germânica. Iniciou a sua atividade profissional como tradutora, consultora literária e jornalista. Foi diretora da revista de divulgação cultural Vida, entre 1971 e 1972. Escreveu para diversos jornais e revistas. No campo da criação literária, estreou-se com um livro de poemas, intitulado Contrato, em 1970. Trabalhou, como secretária adjunta no Gabinete do Ministro da Educação (entre 1976 e 1978). Trabalha, desde 1979, na Biblioteca Nacional.
Como escritora, orientou a sua atividade para a literatura destinada a crianças e jovens, tendo publicado mais de 80 obras. A sua obra foi considerada, desde cedo, uma das mais importantes na área da literatura infanto-juvenil de língua portuguesa. Recusou, por motivos políticos, o Grande Prémio de Literatura Infantil que o governo de Marcelo Caetano quis atribuir-lhe, em 1973, pelo seu livro História da Papoila. Recebeu o Prémio Calouste Gulbenkian para o melhor livro do biénio 1984-1985 por 6 Histórias de Encantar e, em 1996, foi galardoada com o Grande Prémio Calouste Gulbenkian pelo conjunto da sua obra. Em 2004 foi selecionada como candidata portuguesa ao Prémio Hans Christian Andersen.
O livro O Soldado João relata-nos uma simples e interessantíssima história sobre um certo militar que, no quotidiano da guerra, adota uma atitude profundamente humanista e divertida, muito diversa da que seria previsível e normal para um combatente. No início, os seus superiores reagem negativamente àquele comportamento tão pouco convencional e, no âmbito da atividade guerreira, tão pouco produtivo. No final da história, contudo, acaba por ser ele a promover, com as suas ações originais e surpreendentes, a apetecida paz.
Pormenor interessante: esta formosa história, que Luísa Ducla Soares tão bem conta (e Assunção Melo tão bem ilustra), lê-se em menos de meia hora.
Conselho de Amigo para os meus queridos alunos: vão à prateleira certa e escolham O Soldado João. Vale muito a pena.

Arco de Baúlhe, 22 de Outubro de 2013.
Joaquim Jorge Carvalho
[Texto elaborado no âmbito da promoção da leitura na Escola Básica de Arco de Baúlhe.]

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

O(u)rografia



Quem passa por Trás-os-Montes
Sofre a ausência do mar;
Traz um olhar para os montes
Leva os montes no olhar.

Ribeira de Pena, 06 de Novembro de 2013.
Joaquim Jorge Carvalho

[A fotografia foi colhida, com a devida vénia, em http://www.omelhordeportugalestaaqui.wordpress.com.]

terça-feira, 5 de novembro de 2013

Fazer o quê


Ando a reler, sem pressa, os volumes de À la recherche du temps perdu, de Proust. Estive, ainda há pouco, no quarto do narrador, cúmplice de uma certa angústia sua-minha: que fazer com o nosso tempo? 
Eu não sei quantos anos me faltam nesta viagem que, por minha vontade, duraria até sempre. A vida, claro. Sei (sabei), de qualquer modo, que serão sempre anos de menos, tendo em conta os sonhos que, como estrelas na noite, me vão iluminando apetites, murmurando beijos, interrompendo neuras e cansaços. 
Tenho ainda nas minhas mãos um milhão de gestos certos por fazer. 
Há ainda muito tempo e muito mundo, senhor Proust, para lá do perdido.

Ribeira de Pena, 04 de Novembro de 2013.
Joaquim Jorge Carvalho