Bússola do Muito Mar

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Número de Ondas

domingo, 17 de novembro de 2013

Cansaço


A prosa do mundo chove sobre nós. Os ideais estão em saldo, sonhar é motivo de troça oficial, Durão Barroso é presidente de não sei  quê na Europa e está cada vez mais gordo e vácuo, temos o pior governo de que há memória, muitos comentadores televisivos acusam-me de viver acima das minhas possibilidades, eu que comi caldo verde ao almoço e me concedo, parcas vezes, o luxo de jantar uma francesinha no centro comercial, ponho-me a duvidar da legitimidade da minha respiração, não sei se o oxigénio  que consumo paga juros, da água sei já que é um luxo e por isso vai ser privatizada, Nuno Crato condenou entretanto ao desemprego milhares de colegas que fazem falta à Escola, conheço alunos com necessidades educativas especiais cujas necessidades educativas deixaram, por decisão governamental, de existir, um certo (abominável) César das Neves, com obesa certeza, diz que aumentar o salário mínimo é, para os pobrezinhos, algo criminoso, sem corar de vergonha, e o licenciado Passos Coelho diz, sorrindo numa sala  em Cantanhede, que a Irlanda é um exemplo para nós por ter imposto mais sacrifícios do que os que em Portugal conhecemos, isto tudo, sublinho, num contexto de frio gradualmente maior e de uma penúria de esperança grassando pelo espaço e tempo que me é dado, ainda, viver. Sinto-me acossado, cansado, tão cansado que...

Ribeira de Pena, 17 de Novembro de 2013.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem foi colhida, com a devida vénia, em http://www.naoperguntou.blogspot.com.]

2 comentários:

Paulo Pinto disse...

... E depois vêm os requintes de crueldade (vá lá, talvez apenas de hipocrisia): que a economia está a recuperar, que estamos já fora da recessão técnica, que podemos evitar um segundo resgate, etc., em suma: que a receita foi (é) acertada, que em breve superaremos as provações, que os sacrifícios têm dado resultados. Escondem a inutilidade ou mesmo o efeito contraproducente da austeridade brutal sobre as pessoas, para se convencerem a si próprios de que estão e sempre estiveram no rumo certo. Não duvido de que no fundo haja um sincero convencimento da bondade das suas razões, ou uma tentativa de auto-persuasão disso mesmo, pois nenhum político quer ser esmagado pela impopularidade. Mas a incapacidade estratégica de quem nos governa é confrangedora. Oliveira Martins, se pudesse escrever uma versão actualizada do «Portugal Contemporâneo», apenas teria que lhe mudar os protagonistas e alguns aspectos de contexto. Pobre país este.

Joaquim Jorge Carvalho disse...

Caro Paulo,
é um prazer dialogar com cidadãos livres e lúcidos como tu. Abraço!