
1. Tolentino Mendonça, um excelente poeta português, conterrâneo da MP, foi entrevistado, há uns três dias, por Carlos Vaz Marques, na TSF. Disse, sobre a poesia (e, digo eu, a literatura em geral), que a escrita é uma espécie de lente que aumenta, em pormenores essenciais, o mundo e a vida - para vermos, vida e mundo, melhor.
2. Na noite de sábado para domingo, estive com muita febre. E sonhei doidamente, como sempre me acontece nestes casos. Desta vez, era um cortejo de cegos que me queriam tocar na cara, nos olhos, no cabelo. E, a cada toque, dava-se que eu via melhor o rio e as árvores, enquanto voava sobre o largo da Portagem, em Coimbra.
3. Dou-me mal com a deslealdade, a brutidade, a rudeza. Quando sou vítima, à traição, de uma qualquer besta, acordam-se-me as vísceras mais primárias - e apetece-me ser eu próprio bruto, mau. Desleal é que não, porque só sou capaz de agir ruidosamente, às claras. Se aqui estivesse o meu amigo Padre Manuel, de Ançã, dir-me-ia decerto que a fúria não é para levar a sério. Que a desilusão (e a dor em geral) é só uma oportunidade para crescermos interiormente. Silêncio, pois - para o coração crescer.
4. Uma aluna disse, na aula de Português, inesperadamente: "Não gosto nada que haja fim para as coisas." Os colegas riram-se, corrigiram-na: "Ai, não queres o fim das coisas más?" Ela reformulou a sua descoberta: ""Não gosto que haja fim para as coisas boas." Eu participei no (espontâneo) debate e confessei: "Ando a escrever, há já mais de quarenta anos, sobre isso!"
5. Passo por colegas que, no intervalo, fumam ao portão e provoco-as: "Fumar mata." Sorriem-me piedosamente e eu prossigo, ladeira acima. Reflicto: fumar mata, sim. Mas todos os verbos matam: trabalhar, correr, sonhar, amar, falar, saber, esperar. Matam todos. Até viver.
Arco de Baúlhe, 31 de Janeiro de 2013.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem foi colhida, com adevida vénia, em http://www.anatomias.mediasmile.net.]