1. Algures entre o entardecer e a noite, uma voz interroga-me: "Existes para quê?" A minha resposta é um murmúrio silente: "Para proteger aqueles que amo." A voz ri-se do que digo e insiste: "Para os protegeres de quê?" Quase nem preciso de pensar: "Do frio." Talvez por nesta altura haver em Coimbra uma temperatura amena, a voz transforma-se numa gargalhada cínica: "Do frio? De que frio, ó triste?" Respondo como quem faz um resumo da sua biografia essencial: "Existo para proteger aqueles que amo do frio do mundo."
2. A minha mãe foi abordada na igreja, ainda antes do início da missa, por um velhinho frágil, muito magro, quase transparente (mais velho, notai, que ela própria). O senhor trazia consigo umas dezenas de papéis. E ele mesmo explicou que se tratava de orações, por si copiadas à mão, numa elegante caligrafia como já não se usa. Levava os dias a passá-las para quartos de folhas A4 e, depois, distribuía-as por transeuntes. Deliberadamente fugia a fotocopiar as orações por tal não ser "a mesma coisa". A oração tinha de - explicou - passar primeiro pelo seu coração. Como se, digo eu, a sua mão direita caligrafasse as preces.
Coimbra, 26 de Dezembro de 2012.
Joaquim Jorge Carvalho
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