Bússola do Muito Mar

Endereço para achamento

jjorgecarvalho@hotmail.com

Número de Ondas

quarta-feira, 29 de maio de 2019

Pão nosso


Estive no funeral da Mãe de um amigo. Abracei-o, com a inteira solidariedade que há no facto de todos sermos filhos e de a morte daquela Mãe ser, no plano da percepção, a morte da nossa própria fonte.
A uns metros da descida final do caixão à eternidade subterrânea, um familiar do meu amigo falava da morte de uma outra senhora, contemporânea da que ali se despedia do mundo, e que na semana anterior falecera também, de forma inopinada. 
Guardei a narração num cantinho do meu coração: a senhora passara bem o dia, jantara com a família, deitara-se. De manhã, a filha estranhou o facto de tanto tardar o pão da manhã, trazido diariamente pela senhora sua mãe. Acabou por dar o pequeno-almoço ao marido com o pão duro restante do dia anterior. Passou uma hora, passaram duas. A Mãe não aparecia. 
A filha foi à casa onde a senhora vivia. Bateu à porta. Ninguém veio abrir. Usou a chave que tinha para ocasiões destas e assustou-se com o silêncio. No quarto, já memória, estava a sua Mãe, como se dormisse. 
Abracei o narrador, genro desta senhora, e segui para o meu carro. Batia-me na cabeça uma ideia muito triste e talvez poética: quando uma Mãe parte, perde-se-nos o pão de cada dia. 

Coimbra, 26 de Maio de 2019. 
Joaquim Jorge Carvalho 
[A imagem foi colhida, com a devida vénia, em https://www.sulinformacao.pt.]

Sem comentários: