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segunda-feira, 4 de dezembro de 2017

ZONA DE PERECÍVEIS (114)



Caça aos professores


Não cessa de me espantar a sanha, mal disfarçada ou brutalmente ostensiva, que os tudólogos da pátria demonstram quando falam de professores.
Declaração de interesses: eu sou professor (“dessa raça”, como disse, na televisão, uma obesa excelência cheia de nada). Nem sempre adiro às greves marcadas pelos sindicatos, mas sou sindicalizado desde que abracei a profissão. É minha convicção que, depois de ouvirem-lerem o que se disse-escreveu contra os docentes, muitos dos que não aderiram à greve terão ficado com vontade de endurecer a luta.
A greve do passado dia 15 de Novembro foi pretexto para, em jornais e revistas, na rádio e na televisão, nas redes sociais e nas tascas e Cafés do país, as línguas viperinas atacarem os docentes, os sindicatos e os partidos que – ó escândalo dos escândalos! – apoiaram o protesto.
Para quem está na profissão com a paixão e o profissionalismo inerentes ao ofício, dói horrores ver-ouvir-ler tanto disparate opinativo, tanta ignorância gratuita e tanto (misterioso) ódio. Interrogo-me, em particular, sobre as razões que levam políticos e comentadores a nutrir este indisfarçado desprezo por quem fez do ensino a sua vida. Que traumas terão estas pessoas coleccionado, ao longo da existência, para agora, com tão pouca gratidão e tão fraca gramática, espumarem ressentimentos e falácias pelo palco mediático?
Entre outros clichês, dizem que os professores não têm avaliação. É mentira. Asseguram que os professores progridem sempre, sem quaisquer obstáculos. É mentira. Garantem que os sindicatos conseguem sempre quanto reivindicam. É mentira. Dizem que não é aceitável a quase totalidade dos professores obter uma classificação positiva para o seu desempenho (“Bom”). Atentai, por favor: quando vamos a um restaurante e somos servidos, podemos encontrar um empregado mais rápido, outro mais simpático, outro mais diligente, outro divertido – mas o normal será que o serviço fundamental seja cumprido, no matter what, não é verdade? É isso que se passa também nas escolas, nos hospitais, nas repartições públicas, nas papelarias, nas oficinas. (E quando não é assim, temos o direito e o dever de reclamar.)
Está tudo bem no estatuto da carreira docente? Creio que não. Defendo, por exemplo, a necessidade de se repensar a carreira, nomeadamente com a valorização salarial dos que estão na base do sistema. Ao contrário dos militares, cujas maiores patentes consubstanciam, de modo geral, maiores competências e responsabilidades, um profissional em início de carreira pode já exercer a maioria das funções atinentes ao professorado (docência, direcção de turma, coordenação de departamento, dinamização de projectos, etc.). Também defendo (e isto é matéria polémica entre os meus colegas) que, quando os candidatos a determinado escalão são em número superior ao das vagas disponíveis, haja exames escritos versando conhecimentos científicos e pedagógicos (talvez organizados pela universidade) que ditem quem pode ou não progredir. Bem sei que este crivo não é perfeito, mas salvar-nos-ia da venenosa desconfiança sobre eventuais favorecimentos pessoais.
A terminar: tenho um grande orgulho na minha profissão. Há séculos que os professores resistem ao desprezo e ao ódio de brutos e de ingratos. Mas o trabalho docente é uma espécie de caravana que, apesar de tudo, lá vai passando, enquanto a ignorância ladra.

Coimbra, 23 de Novembro de 2017.
Joaquim Jorge Carvalho
[Esta crónica foi publicada no semanário O Ribatejo, edição de 30-10-2017. A imagem foi colhida, com a devida vénia, em http://pixabay.com.]

3 comentários:

Paulo Pinto disse...

Não sou sindicalizado, mas estaria predisposto a sê-lo se soubesse de algum sindicato que defendesse publicamente um projecto coerente e estável para a profissão. Os actuais sindicatos limitam-se, no essencial, a tentar extrair o máximo de concessões e a esticar a corda para o nosso lado, sem mais. Claro que é importante que existam e reivindiquem. Mas seria importante uma revisão negociada do Estatuto, incluindo aspectos fundamentais como o horário de trabalho, os escalões da carreira e a grelha salarial, que fosse mais justa e atractiva para os professores mais novos, menos desgastante para os professores mais velhos, que permitisse a quem mais se dedica ir um pouco mais além e a quem não pretende investir tanto ficar num patamar menos elevado mas digno. Acho as tuas propostas boas e parece-me que é por aí que será preciso ir. Mas parece que aos governantes só interessa puxar para trás e promover, quando dá jeito, o discurso anti-professores, e aos sindicatos só interessa manter alto o nível de conflitualidade para se auto-justificarem.
Um abraço!

Joaquim Jorge Carvalho disse...

Caro Paulo, embora não partilhe desse cepticismo/desconfiança relativo/a aos sindicatos, revejo-me na tua preocupação com a defesa de um projecto claro e coerente para a Escola Pública e nas propostas que aduzes para a profissão. Grande abraço! JJC

MG - Alojamento Local disse...

Não diria/escreveria melhor. No ensino, falta articular com a Universidade. Parabéns pelo texto! Bom fim de semana.
Alzira