Bússola do Muito Mar

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Número de Ondas

sábado, 21 de junho de 2014

Melgas



Na madrugada de 19 para 20 de Junho, aí pelas cinco e meia, acordei com uma sensação de dor na mão direita, algures entre o dedo indicador e o médio. Liguei a luz do candeeiro, procurando em vão a horrível melga.
Desde miúdo que, nestas ocasiões, sinto uma irreprimível vontade de vingança e invisto, tantas vezes, atenção e persistência bíblicas em busca do insecto culpado. Que prazer misterioso este de ver esborrachado - no tecto, na parede ou no chão - o traiçoeiro predador da noite!
Da realidade imediata para a simbólica: ocorre-me que as melgas são especialmente odiosas por atacarem à traição, e por se esconderem após o vil ataque, e por serem nojentos parasitas do nosso sangue, e por nos interromperem a merecida tranquilidade do sono.
De modo que, reparai, eu a escrever, aqui, sou também um convicto matador de melgas! 

Arco de Baúlhe, 20 de Junho de 2014.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem foi colhida, com a devida vénia, em http://vaipaselva.blogspot.com.]

2 comentários:

Melga Helga disse...

Caro Joaquim Jorge Carvalho: Admiro-o bastante pela sua inteligência e sensibilidade que são infinitamente superiores às minhas. Não sei se é cristão, mas quero dizer-lhe com mágoa que lhe faltam as virtudes cristãs do perdão e da misericórdia. As melgas como eu não são «traiçoeiros predadores da noite» nem merecem os outros epítetos que nos dirigiu. É a nossa natureza, e para nos alimentarmos e assegurarmos o futuro dos nossos descendentes temos que sugar sangue. Só o fazemos de noite, porque senão seríamos esborrachadas por humanos vingativos como o senhor. Pessoalmente, procuro sempre não infligir dor nem acordar ninguém. Na noite de 16 para 17, estive no seu quarto e mordi-o levemente no lóbulo da orelha, onde suguei durante minuto e meio. Lembra-se? Claro que não. Nem se mexeu e continuou a dormir como um bebé! Peço-lhe desculpa e tentarei não voltar a importuná-lo, até porque regressei à vila de Melgaço, de onde sou natural e onde vivo com a famelga. Seja feliz e aceite o meu conselho: o espírito de vingança e o instinto assassino são muito nocivos para a sua saúde; renuncie a esses impulsos. Desta sua humilde criada, Melga Helga

Joaquim Jorge Carvalho disse...

Caríssima Senhora D. Melga,

Apesar de o seu argumentário me parecer retoricamente improcedente, não posso deixar de a cumprimentar pela clareza e elegância do enunciado. Assim até apetece perdoar a quem, à traição, nos morde! Eu, se estivesse na minha natureza fazê-lo, creia, fá-lo-ia. Mas não está. Mas não posso.
De toute façon, um beijo e/ou um abraço (sem repelente).

JJC