Bússola do Muito Mar

Endereço para achamento

jjorgecarvalho@hotmail.com

Número de Ondas

domingo, 24 de abril de 2022

Imortal Abril



Quando aquilo aconteceu, na madrugada abrilina de 1974, eu era demasiado novo para perceber a Novidade. A vida a acontecer era demasiado vertiginosa e rica para se apreender tudo (e muito menos para se compreender tudo). Entre o medo e a maravilha, aconteceu-me contrair, decerto por contágio, uma estranha alegria: juntei logo o meu entusiasmo adolescente a outros entusiasmos, que me pareceram (quiçá ingenuamente) puros e à prova de fingimento, e fui intensamente feliz. Gritámos Vitória, Liberdade, O povo unido jamais será vencido. Cantámos, em coro talvez irrepetível, Grândola Vila Morena. E tomámos como hino daquela Primavera uma canção que celebrava o facto de sermos livres de voar, de crescer, de dizer; acreditam em mim se vos disser que, nas longas filas para votar, testemunhei um País aderindo, em uníssono, ao voo lindo da gaivota (cúmplice do vento e movida a coração marítimo), ao crescimento de uma metáfora vestida de papoila rumo ao futuro, à negação corajosa à guerra colonial - e, a rematar, à promessa (que agora associo a versos do Cântico Negro, de Régio) de, não obstante as diferenças entre pessoas e partidos, não voltarmos atrás? 
Anos depois, já para lá da adolescência (minha e da liberdade), juntámos àquelas palavras e àqueles versos iniciais uma espécie de reiteração ontológica - 25 de Abril sempre, fascismo nunca mais.
A má notícia é o Tempo ser, por natureza, reaccionário: às mãos dos cínicos relógios do mundo, os ideais vão envelhecendo-morrendo, como acontece às mais belas flores, que perdem (ai delas, ai de nós)o seu perfume e a sua cor originais.
A boa notícia é haver Memória e, à sua boleia, renovada Esperança: por muito estranho que vos pareça, tenho-me apercebido de que a gente nova tem curiosidade e é capaz e oferecer a sua atenção a relatos sobre a Noite anterior ao Dia. Com a mesma generosidade da juventude onde eu próprio residi há 48 anos, vejo como os nossos jovens são capazes de perceber e amar (à sua medida) este nosso Abril para sempre - pela Literatura, pela Fotografia, pela Pintura, pela História, pelo Teatro, pelo Jornalismo, pelo Cinema, pela Escola.
Algures em Lisboa, neste mesmo dia em que escrevo isto, a minha Filha estará (creio), na companhia de muitas vozes da sua geração, a cantar “Grândola vila morena”. Sei que, muito para além de eu morrer, na sua voz há-de estar para sempre a minha.
E, pois claro, 25 de Abril sempre! Fascismo nunca mais!


Ribeira de Pena, 24 de Abril de 2022.
Joaquim Jorge Carvalho 
[A imagem que ilustra este texto é, com a devida vénia, da pintora Vieirada Silva (“A poesia está na rua- XXV de Abril de 1974”).]

Sem comentários: