A Pedrulha é, em génese, uma aldeia na periferia de Coimbra.
Com a expansão da cidade, tornou-se numa espécie de bairro encravado na urbe
universitária. Um bairro cheio de particularidades folclóricas e humanamente
extraordinárias.
A Pedrulha é também o lugar natal do Daniel Abrunheiro, meu
Amigo de há décadas. É, digamos assim a sua Macondo.
Tive avô, tios e tias na Pedrulha, de modo que conheço
muitas das caras que, em passando por lá, me cumprimentam e chamam pelo nome. O
Daniel é, quase sempre, o meu anfitrião-mor, mas até sozinho lá passo sem
jamais me sentir estrangeiro ou intruso.
Passei pela Pedrulha hoje. A humanidade deste mundo
deixou-me impressões carregadas de graça e de profundidade. Ofereço-vos algumas.
1.
Para aceder da rua da Igreja à travessa
do Plátano, tive de descer um pequeno lanço de escadas, em caracol, muito
estreito. Ia com pressa, mas deparei-me com uma velhinha que morosamente descia
também. Tive de esperar pela minha oportunidade de a ultrapassar. Finalmente,
ela surgiu. Disse “Boa tarde” e “Com licença” - e passei-a pela direita. Ouvi,
atrás de mim, um suspiro e um desabafo cheio de idade: “Ricas pernas!” Eu, que
ia cansado da marcha, era ali invejado pela minha velocidade andarilha. Sim, tudo
é relativo, senhor Einstein.
2.
Duas mulheres conversavam, à porta das
respectivas casas sobre o desusado movimento de carros e pessoas. Não sabiam
que havia, no Clube, o almoço dos antigos campeões de andebol, daquela equipa
famosa da Pedrulha que brilhou no século XX, e de que fazia parte – admirai-vos,
homens e mulheres de pouca fé! – o Daniel Abrunheiro. Uma das mulheres aventou
que devia ser um torneio de cartas e que os homens eram doidos por aquilo. A
outra falou em pouca vergonha e confusões prováveis. A primeira retorquiu (cito
de cor): “Eu cá gosto de ver gente na Pedrulha. Sem a outra gente, que seria da
gente?” Eis Aristóteles e Platão falando pela boca de uma anónima avó
pedrulhense.
3.
Quando, entre gargalhadas fraternais, me
despedia dos amigos, o Vitinho (ex-colega de liceu, hoje consideradíssimo
profissional dos táxis) provocou-me: “Já?!” Lá lhe disse que ia ao hospital ver
o Conceição. E então houve uma coisa simplesmente bela: toda a gente, numa
espécie de preito uníssono, se fez ali subitamente séria e religiosamente respeitosa.
O Vitinho pediu-me que fizesse chegar ao Amigo ausente um abraço e os votos de
melhoras. Interiormente comovido, prometi que o faria. Fi-lo.
Isto é, eu gosto de Júlio Dinis. E gosto da Pedrulha.
Coimbra,
05 de Julho de 2014.
Joaquim
Jorge Carvalho
[A imagem foi
colhida, com a devida vénia, em http://www.paronamio.com.]
1 comentário:
Caro professor,
Sirvo-me deste meio para o saudar e também para simbolicamente saudar todos os outros professores marcantes que fizeram parte do meu percurso académico em escolas públicas periféricas e sem grande "pedigree" nos rankings do Ministério da Educação.
Tenho na minha memória uma meia dúzia de mestres que tive a sorte de conhecer e que realmente contribuíram para o meu crescimento e para que, desafiando as probabilidades, conseguisse trilhar um caminho longo, e muitas vezes solitário, que está prestes a terminar num doutoramento.
Uma das competências que me tem sido útil nesta jornada é a de me conseguir exprimir bastante bem pela escrita e isso devo-o a ter tido mestres como o professor. Embora actualmente o meu idioma de expressão seja o Inglês, o facto de ter um bom comando da minha língua nativa é sem dúvida estruturalmente importante.
Termino como se calhar deveria ter começado... apresentando-me: o meu nome é Ana Cristina e fui sua aluna na Escola C+S do Paião (concelho de Figueira da Foz) nos anos de 88/89 e 89/90; fiz sempre parte de turmas fracas em termos de desempenho escolar - eram as turmas das letras F para diante. Não tenho memória de quais foram as letras da minha turma nesses anos, mas lembro-me que as minhas classificações no final do ano 89/90 foram as 2.as melhores a nível de escola para o 8.o ano.
Um grande bem-haja, professor!
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