Tomemos como adquirido (para economia retórica) que as intenções são intrinsecamente boas – fomentar a leitura, dar a conhecer títulos e autores importantes, etc. Ainda assim, perdoai: como diz o povo, de boas intenções está o inferno cheio.
Já me dei ao trabalho de ler algumas destas versões de clássicos. Tirando as ilustrações (que de facto tornam o objecto-livro mais apelativo para leitores muito jovens), o que me ficou foi, de novo, esta ideia de, no afã de bem simplificar (?), aquilo que era um romance, na sua pureza inteira, passar a ser um mero resumo dos acontecimentos principais (digamos assim). Em termos didácticos, dir-se-ia que os adaptadores se esquecem da acção secundária, preferindo exclusivamente a acção principal, ignorando descrições, diálogos longos, monólogos interiores. Em termos mais rigorosos, direi que há um apagamento (deliberado, ergo criminoso) da diegese em favor do enredo.
Ler estas versões é um pouco como ler aqueles resumos dos episódios telenovelescos que aparecem em certas revistas. Ou os famosos resumos da Europa-América, amados pelos cábulas, textos que utilitariamente reduzem as obras estudadas a tópicos e a paupérrimas sínteses de cada narrativa. Ou ainda àqueles testemunhos de quem foi ao cinema e conta a quem lá não foi a história, “dispensando” o receptor da experiência espectadora, feita de atenção e de emoção estética (essa sim, pessoal e intransmissível).
Mais: os jovens leitores que hoje tropecem nestas versões minimalistas dificilmente investirão tempo de leitura, mais tarde, nos originais. Ficarão para sempre iludidos com a ideia de que “já conhecem” aqueles romances fundamentais.
Mas não. Não conhecem. Em boa verdade, perderam-nos.
Ribeira de Pena, 26 de Outubro de 2018.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem foi colhida, com a devida vénia, em https:www.jn.pt.]