Bússola do Muito Mar

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Número de Ondas

quarta-feira, 25 de junho de 2014

Rua Augusta forever



Eu ainda não tinha nascido e já havia mar na vizinhança do meu amor.
Depois, o mar nunca saiu verdadeiramente de ao pé de mim. É uma companhia e é uma força.
Habituei-me a vê-lo, aliás, como a extensão possível da nossa existência. Parece menos acanhada a vida se a acrescentarmos do oceano que está para lá do que somos.
Não é fácil entender o mar, convenhamos. É caprichoso, volúvel, independente como um felino grande. Tão-pouco é fácil o amor.
Queria que o meu amor olhasse também, comigo, o mar e visse: ausências e regressos chegando à costa ou dizendo adeus de longe. Ondas de saudades ou carícias de reencontro. Marés de tudo e de nada.
E queria que o meu amor escutasse ainda o que o mar nos diz, nesse murmúrio milenar com sabor a sal e a peixe: que é tudo eterno se nos esquecermos que não.
Dou ao meu amor o mar.

Ribeira de Pena, 25 de Junho de 2014.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem foi colhida em http://www.cantinhodomundo.blogspot.com.]

domingo, 22 de junho de 2014

Literatura quê (3)



A literatura somos nós ao espelho (trocista) da feira popular.

Coimbra, 22 de Junho de 2014.
Joaquim Jorge Carvalho

Literatura quê (2)



As glórias e as derrotas, o fausto e a miséria, a generosidade e a vileza - tudo concorre para esse discurso dignamente literário que nos assombra e comove.

Coimbra, 22 de Junho de 2014.
Joaquim Jorge Carvalho

Literatura quê (1)



A literatura, minha gente,
É a forma consabida
De enunciar esteticamente
A vida.

Coimbra, 22 de Junho de 2014.
Joaquim Jorge Carvalho

Espelho ohlepesE



No amor e no hospital
A fragilidade está nos dois lados
Do rosto que olha. Olhar de ver 
E de ser visto.
Assim a mão com que tocamos é
A mão tocada.
Presença e ausência visitam-se
Desejam-se melhoras
Acreditam
Desesperam.
O amor é talvez uma ilusão, mas
Nada mais existe.

Ah, e falta lembrar 
Que se sobe e se desce até
Ao encontro
No mesmo elevador.

Coimbra, 21 de Junho de 2014.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem foi colhida, com a devida vénia, em http://www.luizgeremias.blogspot.com.]

sábado, 21 de junho de 2014

Melgas



Na madrugada de 19 para 20 de Junho, aí pelas cinco e meia, acordei com uma sensação de dor na mão direita, algures entre o dedo indicador e o médio. Liguei a luz do candeeiro, procurando em vão a horrível melga.
Desde miúdo que, nestas ocasiões, sinto uma irreprimível vontade de vingança e invisto, tantas vezes, atenção e persistência bíblicas em busca do insecto culpado. Que prazer misterioso este de ver esborrachado - no tecto, na parede ou no chão - o traiçoeiro predador da noite!
Da realidade imediata para a simbólica: ocorre-me que as melgas são especialmente odiosas por atacarem à traição, e por se esconderem após o vil ataque, e por serem nojentos parasitas do nosso sangue, e por nos interromperem a merecida tranquilidade do sono.
De modo que, reparai, eu a escrever, aqui, sou também um convicto matador de melgas! 

Arco de Baúlhe, 20 de Junho de 2014.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem foi colhida, com a devida vénia, em http://vaipaselva.blogspot.com.]

quinta-feira, 19 de junho de 2014

Sobre o cosmos



Se o cosmos existe?
Garantia: a normalidade, por paradoxal que pareça, é sobretudo caos.
O cosmos acontece quando, no tempo e no espaço coincidentes, seres humanos se conhecem, se reconhecem, se dão, dentro dessa espécie de música que é o amor.
O cosmos, embora escandalosamente breve, existe.

Arco de Baúlhe, 19 de Junho de 2014.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem foi colhida, com a devida vénia, em http://www.olos.com-au.]

quarta-feira, 18 de junho de 2014

Entardecer



Quem me dera ter a inocência
Das flores espalhadas pelo campo
Ignorar o fim de outras flores
E o de mim próprio
Ou entender o fim como natural
Variação da geral paisagem
Como a noite antes do dia
O dia depois da noite.

Quem me dera não sentir o fim
Assim
Fim apenas
Simplesmente cinicamente violentamente
Fim.
Quem me dera não saber que não consigo
Guardar o que me falta
Comigo.
Que me dera não sentir a falta
Do que guardar não consigo.

Quem me dera eu hoje ser mesmo
Todas as flores espalhadas pelo campo
Para sempre.

Ribeira de Pena, 18 de Junho de 2014.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem é do filme História Interminável, de W. Pettersen. Com a devida vénia.]