Bússola do Muito Mar

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Número de Ondas

terça-feira, 25 de abril de 2023

Houve uma coisa simplesmente bela (25 de Abril ao ritmo de Cesário Verde)





Naquela madrugada portuguesa
Houve uma coisa cheia de verdade
E que, sem inúteis ares de grandeza,
Em todo o caso trouxe a Liberdade.

Foi quando o firme Maia, mais que humano
Fez a vontade a um inteiro Povo
Apeando do poder Marcelo Caetano
E com ele o velho Estado Novo.

Depois, prosseguiu-se a construção
Do Dia, em contínuo amanhecer -
E houve alegrias, desvios, desilusão …

Mas ficou-nos essa imagem a nascer
Do Maia com um cravo em sua mão
À espera do Futuro por fazer!

Coimbra, 25-04-2023. 
Joaquim Jorge Carvalho

quarta-feira, 5 de abril de 2023

Once upon a time

 


A memória: um rio correndo para a nascente.


Machico, 22 de Agosto de 2019.
Joaquim Jorge Carvalho

[A foto evoca, para além da minha pessoa, as de meus irmãos Z.T. e M.F., aí por 1968 ou 1969. O nosso irmão
E. ainda não era nascido.]

sábado, 1 de abril de 2023

Mãe escrita





O menino encosta o rosto
Ao queixo da mãe
Ajeita-se-lhe no colo
Serenamente inquieto, seguro
Como uma ave no mínimo-máximo aconchego
Do ninho.
Há na placidez dos seus olhos infantes
Um involuntário alívio
E a certeza absoluta daquela eternidade.
A mãe cheira bem (cheira a mãe).
A mãe é conforto, doçura, abraço.
A mãe está ali santamente com o menino.
A mãe está ali para sempre.

E depois o menino é vítima do Tempo
(Como todos: o avô, o vizinho
o cão, a casa, a mãe, o menino)
E descobre esse Frio maiúsculo, o Fim.
O avô explicara, sobre a morte, que era parte
De existir
Mas o menino não compreendia.
O avô talvez tenha sorrido
Talvez tenha prometido explicar-lhe o Fim
Quando o menino crescesse.
O menino não foi capaz de crescer
Não foi capaz de crescer o suficiente
Para deixar de ser menino.

Por isso, apesar dos anos, dói-se
De não haver ali a Mãe
O colo, a doçura, o abrigo,
O cheiro a Mãe (que é
mais do que simplesmente flores
ou mar
ou morangos
misturando-se com o oxigénio diário
consubstanciando-se às horas,
o cheiro a eternidade e a abraço).
O menino descobre-se só
E não compreende esse Frio brutal
Esse lugar sem Mãe
Sem colo
Essa traição de não haver eternura
(Eternura é a palavra do impossível necessário
a palavra que nomeia a ternura eterna).


Uma Mãe traz um menino ao mundo
E é para o menino o mundo.
Não há mundo sem a Mãe.
Por isso o menino dá por si dizendo
“Mãe
Deixa que encoste o meu rosto
Ao teu queixo
Que me ajeite em teu colo
Serenamente inquieto, seguro
Como o pássaro no mínimo-máximo aconchego
Do ninho.

Cheiras bem, Mãe
(Cheiras a Mãe).
Olho-te nos olhos como se me visses
E sucede-me agora a certeza absoluta
Da eternidade.
Estás santamente aqui comigo.
Estás aqui para sempre,
Mãe,
Enquanto te escrevo."

Coimbra 12-03-2023 (revisto a 26-03-2023).
Joaquim Jorge Carvalho
[A foto remonta a, talvez, 1969. Estamos na praia de Mira, nossa morada no Mar da infância. A Mãe está de luto pela senhora sua Mãe, minha Avó Adília.]