Bússola do Muito Mar

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Número de Ondas

sábado, 31 de dezembro de 2022

Sobre a deslealdade

 



Os porcos da nossa vida
(E os mais novos, os leitões)
Sujam tudo em sua lida –
Até sonhos, ilusões!

Não vale a filosofia
Para os fazer mudar:
Nasceram na porcaria,
Só vivem para sujar!


Coimbra, 31-12-2022.
Joaquim Jorge Carvalho

[A imagem foi colhida, com a devida vénia, porcos-no-chiqueiro-de-uma-fazenda_freepick.com. ]

2023: Carpe diem

 

2023, convenhamos, é apenas um número mais, espécie de sinal ao fundo da curva para a nossa viagem de existir. Um pouco como os séculos, as datas de nascimento, os anos da idade que vamos tendo, as folhas amarelas anunciando o Outono, as folhas verdes recuperando a Primavera. Sinais, sinais, sinais, sinais, sinais. 

Mas precisamos destas evidências para balizar as nossas vidas, equacionar passado-presente-futuro. Com a maturidade, estes marcos assumem maior peso (físico e simbólico) e certa pergunta simples que nos fazemos, tantas vezes, passa a questão determinante: “Quanto tempo temos ainda?”

Deste fundo de onde olho para cima, é urgente que cada um de nós eleja, cuidadosamente, objectivos formosos e honestos, à altura do que somos e do que queremos ser – e buscá-los.
É urgente aproveitar o tempo. Porque, recordai, o tempo não é bem nosso; é-nos dado ou roubado, num instante, por um poder exterior à nossa vontade e ao nosso entendimento. Mas está em nossas mãos, na maior parte dos casos, fazer do tempo que temos uma experiência bela e gratificante. Não necessariamente fácil ou confortável, atenção, mas digna de nós.
Desejo-vos um bom ano de 2023, ó contemporâneos. Ainda haverá tempo para a felicidade!

Coimbra, 31 de Dezembro de 2023.
Joaquim Jorge Carvalho

[A imagem (quadro de Dali) foi colhida, com a devida vénia, em almanaqueliterario.com.]

segunda-feira, 26 de dezembro de 2022

Natal visto de fora

 


Pastelaria em Coimbra, fim da tarde do dia 24 de Dezembro: mesas cheias de gente e uma fila de clientes à espera de vez para pão, bolo-rei, broinhas, etc. Há duas empregadas ao balcão, ambas de olhar mortiço, muito cansadas, apesar de uma delas manter uma agilidade e uma velocidade admiráveis. O dono do estabelecimento, com amabilidade profissional, anda pela saleta a anotar pedidos num bloco-notas de capa preta.

Chega a minha vez, Calhou-me a empregada rápida. De perto, noto-lhe algum brilho suado sob os olhos e quase sinto o seu bafo quente ao respirar. Penso: “Coitada. Deve estar aqui desde manhã cedo, sempre a bulir.” Peço pão (para a consoada iminente e também para o dia seguinte). Escolho “pão da avó”, apontando com o indicador da mão direita.

De forma automática, ela roda sobre si para pegar num saco de papel, exactamente no segundo em que o patrão coloca um copo de vidro, cheio de água, sobre o balcão. O cotovelo da moça derruba o copo, que se desfaz em pedacinhos de vidro e água correndo-escorrendo sob os pés dos clientes.

- Não se preocupe – diz, em tom neutro, o proprietário da pastelaria.

Eu, com vontade de animar a moça, em cujo rosto redobradamente percebo uma espécie de exaustão triste, atiro:

- Ai, ai! Sete anos de azar!

Ela sorri, talvez grata, antes de me responder, num murmúrio rouco e (não sei se exagero) desesperado:

- Deixe lá. Mais sete menos sete…

 

Coimbra 24-12-2022.

Joaquim Jorge Carvalho

 A imagem utilizada não corresponde ao espaço exacto onde se desenrolou o episódio narrado, funcionando apenas como ilustração "à mão de semear". Trata-se de uma foto da antiga pastelaria Montanha (sita no Largo da Portagem), que foi colhida, com a devida vénia, no blogue "Histórias e sabores" (historiasesabores,blogspot,com).

domingo, 25 de dezembro de 2022

Teoria & prática

 


O mal paga-se com o mal?

O bem paga-se com o bem?

A bondade é natural

E a maldade, também?

 

Só ao amor com amor pagarás”?

Ah, bondade pífia e com defeito,

Pois santo é só quem amor for capaz

De dar sem condições ou preconceito.

 

(E quem me dera ser aquilo que canto -

- Ser mais do que esta simples teoria -

Quem me dera ser um quase-santo

Em vez de quase-nada em poesia!)

 

Coimbra, 25-12-2022.

Joaquim Jorge Carvalho


sexta-feira, 23 de dezembro de 2022

 


Da janela vejo um cão cinzento

Ladrando zangado à beira da estrada

Há à volta ninguém e esquecimento –

Só aquele cão ladrando a nada.

 

Ribeira de Pena, 19-10-2022.

Joaquim Jorge Carvalho

[A imagem foi colhida, com a devida vénia, em www.dogsplanet.com.]


quarta-feira, 21 de dezembro de 2022

Saudade de um amigo ao telefone


Ao meu amigo Conceição, com quem todas as semanas falava ao telefone

(sobretudo do Sporting) e que nos faz falta todos os dias.

 

Telefona-se a um amigo

Porque sim

(Pelo menos comigo,

É assim).

 

O meu amigo morreu –

E agora a quem

Telefono eu?

A ninguém!

 

 Ribeira de Pena, 20-12-2022-

Joaquim Jorge Carvalho

[A imagem foi colhida, com a devida vénia, em www.tryg.aalborg.dk.]






Imperativo (muito) presente

 


Guarda os teus abrigos

Rega as tuas flores

Estima os teus amigos

Salva os teus amores.

 

Ribeira de Pena, 20-12-2022.

Joaquim Jorge Carvalho

[A imagem foi colhida, com a devida vénia, em www.alamy.de.]

 


domingo, 18 de dezembro de 2022

Still time

 



Folhas caídas na terra
São já sinais do Inverno;
Geme ao longe a Primavera
Por nada nos ser eterno.

Dói ver as folhas no chão
Caídas ao abandono –
Mas não chores, coração:
‘Inda temos o Outono!

Ribeira de Pena, 17-12-2022.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem foi colhida na blogosfera, com a devida vénia, em https://olhares.com.]

Jogging







- Por que corres, sessentão,
Na pobre pista da vida
Se, mesmo correndo, não
Escaparás do fim da vida?

- Eu não temo qualquer fim
Preciso só de correr –
Correr por dentro de mim
Correr em vez de morrer.

Ribeira de Pena, 17-12-2022.
Joaquim Jorge Carvalho 
[A imagem foi colhida, com a devida vénia, em www.contarhistorias.com.]

segunda-feira, 12 de dezembro de 2022

Elogio dos dias a-normais


 

Abençoados amantes

Que como abelha ou flor

Polenizam seus instantes

Por amor!


Coimbra, 12 de Dezembro de 2022.

Joaquim Jorge Carvalho

[A imagem foi colhida, com a devida vénia, em janainass.blogspot.com.]

sexta-feira, 2 de setembro de 2022

Parabéns, minina Vânia: cantam as nossas almas

 


Preciso que leves a sério o que te vou dizer, pá. Faz de conta que estou a morrer e que tenho urgência em te dizer o essencial, nos poucos minutos (quiçá segundos) que me restam. Que te direi, logo hoje, que é dia do teu aniversário? Parabéns & felicidades, claro (o mais óbvio). Mas também que és a mais importante realização da minha vida (em parceria com a extraordinária Mãe que te ofereci). Já tens idade para saber que a vida não é uma estrada plana, recta e segura; que um mundo só com facilidades apenas existe nos livros ou filmes mais fraquinhos; que há valores muito maiores que os do dinheiro, do poder ou do estatuto social; que o contrário de desistir é persistir e resistir; que vale a pena sonhar com aparentes impossíveis e tentar atingi-los pela via do trabalho honesto; que é sempre preciso distinguir o essencial do acessório; e, já agora, que o amor dos Pais é como um céu (carregado ou leve, limpo ou enevoado, claro ou escuro, sereno ou trovejando, diurno ou escondido na noite) que nunca se vai embora e está sempre pertinho de ti. 

Preciso que leves a sério o que te vou dizer, pá. Faz de conta que estou a morrer e, no pouco tempo que me resta, te quero dizer o essencial sobre o que somos (tu, a tua mãe, eu). “Que é que nós somos?”, perguntava-te eu há umas décadas; e a menina que eras respondia, com a força (eterna) dos seus dois-três anitos: “Uma família!” Sabes? Talvez nem fosse preciso que crescesses tão bem (em inteligência, cultura, beleza, carácter) para se perceber que resultaste numa obra grande e certa. Por mim, sinto-me muito grato a todos os deuses por teres devindo o que (nos) és. E, aqui entre nós, deve ser pecado sentirmos tanto orgulho em ti, ó miúda nossa! 

Leva a sério o que te digo, pá. Faz de conta que nunca morreremos. Guarda bem este beijinho de hoje – e continua a tua obra linda, linda. Isto é: a tua linda, linda vida. (E viva o Sporting!) 

Parabéns, leoa do papai e da mamãe! 


Coimbra, 02 de Setembro de 2022. 

Joaquim Jorge Carvalho (& MPC)

domingo, 24 de abril de 2022

Imortal Abril



Quando aquilo aconteceu, na madrugada abrilina de 1974, eu era demasiado novo para perceber a Novidade. A vida a acontecer era demasiado vertiginosa e rica para se apreender tudo (e muito menos para se compreender tudo). Entre o medo e a maravilha, aconteceu-me contrair, decerto por contágio, uma estranha alegria: juntei logo o meu entusiasmo adolescente a outros entusiasmos, que me pareceram (quiçá ingenuamente) puros e à prova de fingimento, e fui intensamente feliz. Gritámos Vitória, Liberdade, O povo unido jamais será vencido. Cantámos, em coro talvez irrepetível, Grândola Vila Morena. E tomámos como hino daquela Primavera uma canção que celebrava o facto de sermos livres de voar, de crescer, de dizer; acreditam em mim se vos disser que, nas longas filas para votar, testemunhei um País aderindo, em uníssono, ao voo lindo da gaivota (cúmplice do vento e movida a coração marítimo), ao crescimento de uma metáfora vestida de papoila rumo ao futuro, à negação corajosa à guerra colonial - e, a rematar, à promessa (que agora associo a versos do Cântico Negro, de Régio) de, não obstante as diferenças entre pessoas e partidos, não voltarmos atrás? 
Anos depois, já para lá da adolescência (minha e da liberdade), juntámos àquelas palavras e àqueles versos iniciais uma espécie de reiteração ontológica - 25 de Abril sempre, fascismo nunca mais.
A má notícia é o Tempo ser, por natureza, reaccionário: às mãos dos cínicos relógios do mundo, os ideais vão envelhecendo-morrendo, como acontece às mais belas flores, que perdem (ai delas, ai de nós)o seu perfume e a sua cor originais.
A boa notícia é haver Memória e, à sua boleia, renovada Esperança: por muito estranho que vos pareça, tenho-me apercebido de que a gente nova tem curiosidade e é capaz e oferecer a sua atenção a relatos sobre a Noite anterior ao Dia. Com a mesma generosidade da juventude onde eu próprio residi há 48 anos, vejo como os nossos jovens são capazes de perceber e amar (à sua medida) este nosso Abril para sempre - pela Literatura, pela Fotografia, pela Pintura, pela História, pelo Teatro, pelo Jornalismo, pelo Cinema, pela Escola.
Algures em Lisboa, neste mesmo dia em que escrevo isto, a minha Filha estará (creio), na companhia de muitas vozes da sua geração, a cantar “Grândola vila morena”. Sei que, muito para além de eu morrer, na sua voz há-de estar para sempre a minha.
E, pois claro, 25 de Abril sempre! Fascismo nunca mais!


Ribeira de Pena, 24 de Abril de 2022.
Joaquim Jorge Carvalho 
[A imagem que ilustra este texto é, com a devida vénia, da pintora Vieirada Silva (“A poesia está na rua- XXV de Abril de 1974”).]