Bússola do Muito Mar

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Número de Ondas

sábado, 24 de agosto de 2019

Encontro com o Mar



Sábado, 24. Primeira (quiçá única) vez em que estou na praia, junto ao amado Mar, neste Agosto traiçoeiro de 2019. Em vez de Machico amável e remansoso, a tropa de lidar com o aneurisma da Irmã, a dependência quase absoluta da Mãe, a administração da crise começada a 23 de Julho, à noite. 
Há muito que acredito na bondade do pudor. Tento manter os outros afastados das dores mais íntimas e sinto até nojo da exibição lingrinhas de desgostos pessoais (do género “Tenham pena de mim! Tenham muita pena de mim!”). Não estou aqui, pois, para vos lavrar a acta previsível do sofrimento. Ao contrário, venho celebrar o egoísmo de cinco hora quase só minhas, na praia da Tocha, diante do oceano que magicamente é o mesmo onde mergulho, no tempo ideal, na Madeira, com a MP ao lado. 
À hora em que escrevo, reli já umas setenta páginas de O Mundo é pequeno, de David Lodge, comi uma fatia de piza e molhei os pés na fria (mas revigorante) água que marulha em frente. Chamaria a este tempo um tempo de felicidade, não fosse a velhice da Mãe e a situação melindrosa da F, no hospital. 
Mais logo, quando visitar a minha Irmã, talvez lhe fale da Tocha, terra para onde ela irá fazer a sua reabilitação física e intelectual. Prometer-lhe-ei, hoje ou mais tarde, que lá voltaremos, aí por Julho de 2020, se estivermos todos vivos, para andarmos na areia e e depois comermos frango assado. 
Entretanto, embala-me ainda este areal amplo e limpo, este amado Mar e esta ilusão do tempo parado no minuto ideal. 

Praia da Tocha, 24 de Agosto de 2019. 
Joaquim Jorge Carvalho 
[Fotos JJC]

quinta-feira, 22 de agosto de 2019

22 de Agosto ("Et in Arcadia ego!")


A minha sogra chama-se Maria. Casou-se há 59 anos com o Mestre João. Ela está viva, o Mestre já partiu. Devo-lhes muito, a ambos: a Família que criaram, uma certa ideia de sabedoria associada à bondade e à alegria, o exemplo de amor pelas pessoas (vizinhos, conterrâneos, seres humanos em geral). Devo-lhes o fabrico e a educação da menina-senhora com quem, depois, eu próprio fundei a minha Família. 

Passei muitos 22 de Agosto celebrando esse regaço lindo e puro que eram a senhora Maria e o Mestre João, com todos os filhos ainda vivos, mais as netas entretanto nascidas (aqui se incluindo a minha Filha, que cedo perceberia também o significado maravilhoso da palavra Encontro). 
Uma das faces do Paraíso é, para mim, esse tempo imorredoiro passado na Madeira, cheio de alegria, humor, música e união. Digo 22 de Agosto como se dissesse Vida, como se dissesse Nós, como se dissesse Sempre. 
Há agora demasiados mortos na contabilidade familiar. Mas há ainda vivos que não conseguem – nem devem – esquecer a felicidade de ter estado nesse tempo, nessa bolha de doçura e de enganosa imortalidade. 
Na pessoa da senhora Maria, como se agora ela fosse ela e o Mestre João com ela, ergo mentalmente um copo de vinho e celebro outra vez o dia 22 de Agosto. Estou com os seus filhos (os vivos e os ausentes), as suas netas e os seus netos, a avó Carolina. Sou um de nós, senhora Maria e Mestre João. Sou da Família. Em vez da amargura das saudades, este é um dia para eu me sentir grato por quanto já vivemos. 
À vossa! 

Coimbra, 22 de Agosto de 2019. 
Joaquim Jorge Carvalho

sexta-feira, 16 de agosto de 2019

AnEurisma


O mundo é a nossa casa.
Os outros visitam-nos ou 
Passam ao largo, vizinhos ou quase. 
Um dia somos levados de casa 
E os outros também, embora
Não obrigatoriamente ao mesmo tempo. 
O melhor, como disse o senhor Fernando, pessoa 
Que tanto pensava nisto 
Seria não pensarmos nisto tanto - 
Para ao menos não termos as saudades de tudo 
Antes do tempo certo de as sentirmos. 

Coimbra, 05 de Agosto de 2019. 
Joaquim Jorge Carvalho 
[A imagem (espécie de convenção alada nos fios do prédio materno) data de 16-08-2019. Foto JJC.]