Bússola do Muito Mar

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segunda-feira, 26 de dezembro de 2022

Natal visto de fora

 


Pastelaria em Coimbra, fim da tarde do dia 24 de Dezembro: mesas cheias de gente e uma fila de clientes à espera de vez para pão, bolo-rei, broinhas, etc. Há duas empregadas ao balcão, ambas de olhar mortiço, muito cansadas, apesar de uma delas manter uma agilidade e uma velocidade admiráveis. O dono do estabelecimento, com amabilidade profissional, anda pela saleta a anotar pedidos num bloco-notas de capa preta.

Chega a minha vez, Calhou-me a empregada rápida. De perto, noto-lhe algum brilho suado sob os olhos e quase sinto o seu bafo quente ao respirar. Penso: “Coitada. Deve estar aqui desde manhã cedo, sempre a bulir.” Peço pão (para a consoada iminente e também para o dia seguinte). Escolho “pão da avó”, apontando com o indicador da mão direita.

De forma automática, ela roda sobre si para pegar num saco de papel, exactamente no segundo em que o patrão coloca um copo de vidro, cheio de água, sobre o balcão. O cotovelo da moça derruba o copo, que se desfaz em pedacinhos de vidro e água correndo-escorrendo sob os pés dos clientes.

- Não se preocupe – diz, em tom neutro, o proprietário da pastelaria.

Eu, com vontade de animar a moça, em cujo rosto redobradamente percebo uma espécie de exaustão triste, atiro:

- Ai, ai! Sete anos de azar!

Ela sorri, talvez grata, antes de me responder, num murmúrio rouco e (não sei se exagero) desesperado:

- Deixe lá. Mais sete menos sete…

 

Coimbra 24-12-2022.

Joaquim Jorge Carvalho

 A imagem utilizada não corresponde ao espaço exacto onde se desenrolou o episódio narrado, funcionando apenas como ilustração "à mão de semear". Trata-se de uma foto da antiga pastelaria Montanha (sita no Largo da Portagem), que foi colhida, com a devida vénia, no blogue "Histórias e sabores" (historiasesabores,blogspot,com).

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