Pastelaria em Coimbra, fim da tarde do dia 24 de Dezembro: mesas cheias de gente e uma fila de clientes à espera de vez para pão, bolo-rei, broinhas, etc. Há duas empregadas ao balcão, ambas de olhar mortiço, muito cansadas, apesar de uma delas manter uma agilidade e uma velocidade admiráveis. O dono do estabelecimento, com amabilidade profissional, anda pela saleta a anotar pedidos num bloco-notas de capa preta.
Chega a minha vez, Calhou-me a empregada rápida. De perto, noto-lhe algum brilho suado sob os olhos e quase sinto o seu bafo quente ao respirar. Penso: “Coitada. Deve estar aqui desde manhã cedo, sempre a bulir.” Peço pão (para a consoada iminente e também para o dia seguinte). Escolho “pão da avó”, apontando com o indicador da mão direita.
De forma automática, ela roda sobre si para pegar num saco
de papel, exactamente no segundo em que o patrão coloca um copo de vidro, cheio
de água, sobre o balcão. O cotovelo da moça derruba o copo, que se desfaz em
pedacinhos de vidro e água correndo-escorrendo sob os pés dos clientes.
- Não se preocupe – diz, em tom neutro, o proprietário da pastelaria.
Eu, com vontade de animar a moça, em cujo rosto redobradamente percebo uma espécie de exaustão triste, atiro:
- Ai, ai! Sete anos de azar!
Ela sorri, talvez grata, antes de me responder, num murmúrio rouco e (não sei
se exagero) desesperado:
- Deixe lá. Mais sete menos sete…
Coimbra 24-12-2022.
Joaquim Jorge Carvalho
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