Bússola do Muito Mar

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Número de Ondas

sexta-feira, 27 de março de 2020

Sol & sombra



   Televi, em documentário já com muitos anos, um testemunho de certo francês que viveu os horrores do início da Segunda Guerra. Num dia de Sol (não me lembro se de Primavera ou de Verão), famílias inteiras tiveram de se deslocar, em fuga, avisadas de iminentes ataques aéreos do inimigo. No filme, o sobrevivente recordava que toda aquela movimentação estava eivada de uma dimensão de festa, com muita cor, vozes altas, piadas, partilha de alimentos e bebida, cantigas em coro. 
   Tendo a pensar que a Natureza desempenhou ali um papel muito importante para a enganosa felicidade das gentes: imagino as roupas garridas das moças em fuga, tão mais próximas do que seria habitual; as valentias adolescentes de rapazes ou de jovens adultos; os comentários verrinosos das mulheres mais velhas observando a vizinhança fatalmente ridícula; o entusiasmo (quiçá involuntário) dos chefes de família no cumprimento do dever de salvar as respetivas proles. Imagino um dia quente, a magnífica vegetação à volta, uma fonte súbita para matar a sede. Festa. E, contudo, não se esqueçam, estava para chegar a guerra, a destruição, a morte – e todos, de uma forma ou de outra, sabiam disso. 
   Hoje, a meio da manhã, a luz primaveril beijou a minha rua inteira. Por momentos, adormeceu-me a ansiedade com que tenho vivido. Depois, lembrei-me daquele documentário e do francês a falar de certa fuga com Sol. 

Coimbra, 27 de Março de 2020. 
Joaquim Jorge Carvalho 
[A imagem foi colhida, com a devida vénia, em http://cigales-eloquentes.over-blog.com.]

2 comentários:

Paulo Pinto disse...

Maio e Junho de 1940, portanto, final da Primavera. A 10 de Maio, começou o ataque alemão, como um rolo compressor, com a fuga em massa da população para Sul. Em meados de Junho, a França estava subjugada. No dia 22, foi assinado um armistício (vergonhoso para os Franceses, mas que permitiu fazer cessar os combates). Foi nesses dias caóticos que Aristides de Sousa Mendes passou aqueles milhares de vistos. Foi seguramente a esses dias que o tal francês aludia. A Primavera estava no seu final, anunciando o Verão que afinal era Inverno.
Note-se: qualquer semelhança entre essa guerra e o que vivemos hoje é apenas superficial, mas numa coisa coincidem, que é a certeza de que no final esmagaremos este inimigo como o fizemos com o monstro do nazismo.

Joaquim Jorge Carvalho disse...

Certo, Paulo. Obrigado por visitares o Muito Mar e por aqui aportares sempre luminosos contributos. Abraço!