Morreu Gabriel García Márquez, "Gabo" para os amigos.
Lembro-me que lhe atribuíram o Nobel em 1982, ano em que entrei para Letras, em Coimbra. Devo confessar, contudo, que não li livros seus senão alguns anos mais tarde. O Daniel Abrunheiro falou-me, certa tarde, à porta da Brasileira, com absoluto deslumbramento, do romance Cem Anos de Solidão. Fiquei tão tocado por esse enlevo pelo colombiano que juntei alguns trocos e comprei, talvez na Livraria 115, aquele livro. Também me recordo de certo colega de Filosofia que, apercebendo-se da minha aquisição, suspirou e disse:
- Que inveja, Joaquim Jorge! Quem me dera estar a ler pela primeira vez esse romance!
Era Verão. Em Mira, numa espécie de garagem que eu, a MP e a VL alugámos para férias, pus-me a ler o romance. Tocado por um encanto cósmico, obsessivo, quase dispensei a comida, a conversa, os passeios. Creio que a minha mulher e a minha filha, por momentos, terão pensado: "Está doido!" E estava, sim, estava - doido pela escrita de García Márquez, pelo modo de contar, pela cor e ritmo de cenas e de personagens. (Um crítico espanhol explicou um dia, de forma lapidar, este poder tão extraordinário: "Domínio absoluto da narrativa.")
Por dia e meio, sem espaço para sonos ou outras interrupções, li, li, li. O final do romance, torrencial e surpreendente, misturava passado, presente e futuro, realidade e fantasia demencial, plausibilidade e implausibilidade. No devir da leitura, eu senti-me esmagado, perdidamente apaixonado pelo colombiano maravilhoso que fora capaz de inventar aquele modo tão novo de me contar histórias.
Depois, claro, li Crónica de Uma Morte Anunciada, O Amor nos Tempos de Cólera, Ninguém Escreve ao Coronel, Contos Peregrinos, tudo! Comprei também Viver para contá-la, li (emprestada pelo Conceição) uma biografia não autorizada sobre o escritor e gravei até, em VHS, um documentário sobre a sua vida e obra (que o Daniel, aliás, ainda não me devolveu).
Muitos alunos meus leram já comigo excertos da sua obra, ou ouviram-me falar de aspectos relativos ao território da narrativa que, frequentemente, exemplifico com a narrativa do grande, grande escritor.
Já reli, ao longo destes anos, muitos dos seus livros e, como é normal nos grandes textos, a leitura (fruitiva, exegética) é sempre uma novidade. Sempre uma primeira vez.
A mim, que compreendo e sinto a literatura como uma espécie de (pessoal) religião, custa-me muito a morte física deste deus verdadeiro. Mas como percebemos, por exemplo, em O Amor nos Tempos de Cólera, só aparentemente é que a morte é mais forte ou definitiva que a vida. Que algumas vidas, pelo menos. Daqui a mil anos, a sua literatura estará por certo, ainda e para sempre, muito viva. Poderá isto parecer pouco no momento da sua partida. E, sim, é muito pouco. Mas a ideia consola-me, querido Gabo.
Joaquim Jorge Carvalho
1 comentário:
Gabo não morreu.
Continua vivo na/pela magia das suas histórias!!
Abraço
Nelson
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