Vivem connosco os nossos vivos e os nossos mortos. Todos em nós vivos. O meu pai gostava de falar das mulheres com um sorriso maroto nos lábios operários. Que diria ele desta senhora muito vistosa que atravessa a rua, como se desfilasse, cheia de curvas e de promessas nos olhos e na boca pequenina? O meu amigo Conceição gostava de falar de futebol ridicularizando, a cada passo, as certezas absolutas de jogadores, treinadores, directores. Que diria ele do anafado comentador que verbera, na televisão, quem ousa brincar com o técnico do seu clube? O meu sogro gostava de falar de Deus e da sua ideia (muito simples) de Igreja. Que diria ele de quem ataca medievalmente este papa novo que propõe a tolerância e o sorriso onde têm residido, até agora, o sectarismo e a severidade?
A minha mãe gosta de falar do passado. Eu também. Porque, perceba-se, é tudo presente.
Cabeceiras de Basto, 30 de Outubro de 2014.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem é do filme Adeus, pai, de Luís Filipe Rocha (1996). Com a devida vénia.]
Sem comentários:
Enviar um comentário