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Número de Ondas

sábado, 26 de junho de 2021

Bocelli em Coimbra



Vinte e cinco de Junho de dois mil e vinte um. Eu e a MP saímos de Trás-os-Montes pelas dezoito horas, após aulas e reuniões. Destino: Coimbra. Era dia de aniversário (não o meu, mas meu também, por razões de amor e de estado civil). Na minha pasta, levava os certificados de vacinação contra a covid. Na carteira da MP, iam os dois bilhetes para o concerto de Andrea Bocelli, no Estádio Cidade Coimbra (“Believe world tour”). Tratava-se de uma prenda que a Filha nos oferecera no Natal de 2019. A puta da pandemia adiou e adiou o espectáculo, mas ele veio mesmo a concretizar-se. 

Estava marcado para as dez da noite. As gigantescas filas, contudo, devem ter atrasado os planos da organização e os dos clientes mais temporões. Mesmo assim, foi bom residir naquele serão de Verão amável, cheio de roupa fresca e colorida em redor e dentro do estádio. Clima de paz e de expectativa. Notai que há já considerável felicidade na antecipação da felicidade – e, para além de Coimbra ser a cidade mais formosa do mundo (seria perfeita, se fosse banhada pelo mar), toda a gente sabe, tirando os burros e os ingratos, que é privilégio sem medida isto de termos nascido em Portugal. 
Andrea Bocelli acrescentou a sua voz extraordinária à beleza do momento. A noite perfumou-se de Bizet, Verdi, Hoffenbach, Giordiano, Puccini, Rota, Tosti, Bocelli, Piazzola, Di Capua, Amália Rodrigues, Velasquez, Richard Rodgers, Sartori. Não invento, senhores: tudo quanto atrás reporto está escrito no programa (que fui consultando, durante os curtos intervalos e as palmas). O tenor italiano foi acompanhado pela magnífica Orquestra Filarmónica das Beiras e por três Coros – o Coro dos Antigos Orfeonistas, o Coro Misto da Universidade de Coimbra e Coro Coimbra Vocal. Houve lugar ainda à (curta e aclamada) participação de Mariza, à atuação potentíssima da soprano Maria Aleida, a um duo vigoroso de guitarras (Carisma) e a momentos de dança por uma agilíssima moça chamada Britanny O’Connor. 
Já a meio do concerto, eu murmurei à MP: “Bela prenda que a miúda nos ofereceu.” A MP sorriu, e o seu sorriso foi, sem exagero, outra bela música, que não vinha no programa. Comovi-me muito e comovi-me muitas vezes durante aquelas quase duas horas. Novidade nenhuma: a profunda-avassaladora-divina beleza da Música comove-me, do mesmo modo que um romance, um poema, a fala de um ator ou certa imagem de um filme falando sobre o amor ou realçando a crueldade do tempo a passar. Para escândalo, talvez, de melómanos mais dignos, a interpretação que mais mexeu comigo foi a de um tema de 1945, de Richard Rodgers, o “We’ll never walk alone”, hoje conhecido como o hino do Liverpool. Lembrei-me, durante o voo interpretativo de Bocelli, de uma jornada épica ainda recente, no Estádio Anfield, quando o clube inglês eliminou o Barcelona, depois de uma remontada das antigas. 
Falei do concerto a um amigo antigo (o AR). Devo ter-lhe falado da intensidade e duração das palmas que se sucediam a cada tema: 
- Impressionante, pá. Mesmo para quem ganha bem, faz parte do cachet ver a admiração sincera dos espectadores…
O meu amigo quis fazer uma piada:
- Ver como? O gajo não é cego?
Fiz de conta que não percebi:
- Só para quem não vê.

Coimbra, 26 de Junho de 2021.
Joaquim Jorge Carvalho
[Imagem colhida, com a devida vénia, em 24.sapo.pt.]

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