O Tiago tem apenas oito anos, não lhe
peçam para aguentar a missa dominical sem se distrair, bocejar, protagonizar
espasmos de impaciência. Aproveita tudo para se ocupar mentalmente, enquanto o
senhor padre debita a homilia e o povo corresponde mecanicamente às suas
deixas.
Foi o caso da migalha que uma formiga
transportava, naquele Domingo, entre a décima fila de bancos (a contar do
altar) e a base de uma coluna encostada à parede direita (para quem entrasse),
um pouco à frente da pia baptismal. Interessou-se logo pelo esforço titânico do
insecto, à bulha com um pedacinho de pão que tinha o dobro do tamanho do
minúsculo ser. Pobre e brava formiga, suportando o peso da comida, a irregularidade
do piso, feito de cimento e ladrilhos cheios de poeira ou cotão, o barulho
ambiente, composto de vozearia humana, às vezes em rezas uníssonas, outras de
tosse, manifestações de catarro, suspiros.
Tiago percebeu que o objectivo da
formiga era chegar a um pequeno orifício que mal se vislumbrava, mesmo no
início da coluna. Apoiou-a mentalmente, como se ela fosse uma atleta do seu
clube preferido, talvez em luta por um título mundial. Quase no final da
cerimónia, a multidão de crentes agitou-se. As pessoas murmuraram “Amen” e o
padre autorizou-as a sair: “Ide em paz e que o Senhor vos acompanhe.” Umas
dezenas de pés cruzaram, em tropel rumo ao exterior da nave, o caminho da
formiga, pisando-a ou empurrando-a.
O Tiago ficou para trás. Segundos
depois da debandada, já não havia sinais do insecto nem da migalha
transportada, naquele meio metro de teatro trágico. A mãe percebeu-lhe a
tristeza nos olhos:
- Que foi, filho?
Ele disse:
- Nada.
Quem soubesse o que acontecera nos
últimos vinte ou trinta minutos, no solo da igreja, perceberia bem o que o
rapaz queria dizer com a sua resposta. (Está bem, o narrador explica:
referia-se ao resultado do esforço da formiga.)
Arco, 14 de Janeiro de 2019.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem foi colhida, com a devida vénia, na net.]
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