Bússola do Muito Mar

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Número de Ondas

domingo, 15 de abril de 2012

Noção de consubstância


Não cabe nos dias que me são dados viver
O quanto da vida ainda espero.
É subversiva a secreta contabilidade da alma:
Multiplicam-se entre si parcelas com sinal menos
Confundem-se multiplicações com fracções e ausências
E nunca (nunca) há nas contas resto zero.

O meu corpo, se morresse hoje, não caberia
No caixão da minha limitada idade
Porque eu tenho estrelas agarradas aos braços
Porque há ruas inteiras coladas às minhas costas
Porque os meus olhos são a praia de Mira
E a baía de Machico para sempre à espera!

Estou a morrer porque o tempo passa
(Tudo passa, eu sei, mas então para quê
Haver em mim a ideia de eternidade?)
Estou a morrer porque o tempo se me gasta.
Estou a escrever. Estou a escrever-me
Isto é, estou a viver o que ainda há -
E não me digam por favor que se acabará
(Um dia, Joaquim Jorge, um dia)
Tudo quanto ainda vejo, tenho, escrevo!

É tão insuficiente a escrita que vos dou
Para tanto que vos queria dizer
E afinal o que vos digo ou falta dizer é o que sou!
A minha voz é exactamente isto que escutam
Incluindo os silêncios que sou eu em paz
Consubstancial às flores
E ao mar.

Vila Real, 15 de Abril de 2012.
Joaquim Jorge Carvalho
[Foto JJC]

2 comentários:

Cãozarrãozito disse...

Maravilhsa:

"O meu corpo, se morresse hoje, não caberia
No caixão da minha limitada idade".

Joaquim Jorge Carvalho disse...

Abraço!