Bússola do Muito Mar

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Número de Ondas

quinta-feira, 26 de julho de 2018

Alexandre


Ainda vou na primeira metade de Julho. O meu carro pede-me combustível. Antes de seguir para a escola, estaciono nas bombas de gasolina de Cabeceiras de Basto e preparo os 20 euros habituais. Uma gargalhada cumprimenta-me: é o Alexandre, um ex-aluno, que assim celebra um reencontro já tardio. Saio do carro e saúdo-o. Não foi um discípulo fácil, tamanha era a sua irrequietude e a facilidade com que se distraía. Ainda que involuntariamente, interrompia-me o curso convencional da aula e não poucas vezes o repreendi. Foi sempre, contudo, um menino educado e respeitador, armado sempre de um sorriso desconcertante. Falo com ele sobre estudos e profissão: diz-me que não chegou a completar o secundário, que gosta daquele emprego (“Agora, estou aqui a falar consigo; daqui a pouco, aparece-me um amigo; é fixe.). À despedida, dou-lhe um aperto de mão, digo-lhe sinceramente que gostei de o ver e dirijo-lhe uma última palavra (não sabendo então que seria a última): “Felicidades!” Quando a minha colega Senhorinha me disse que o jovem afogado na barragem era “o nosso Alexandre” (sic), chorei por dentro e indignei-me, uma vez mais, com a insensatez e injustiça da Morte, essa grande puta. O funeral foi uma monumental manifestação de pesar e de saudade. Durante a caminhada para o cemitério, sob o Sol inclemente de Julho, voltei a lembrar-me daquela alegre irrequietude e daquela ruidosa urgência de viver que caracterizava o Alexandre. Como se ele já soubesse (digo eu agora) que não havia tempo a perder. 

Ribeira de Pena, 23 de Julho de 2018.
Joaquim Jorge Carvalho

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