Petas,
patos e pathos
Os últimos dias trouxeram ao país muita
chuva e, entretidos no assombro pelas inundações habituais, os portugueses
talvez tenham menosprezado algumas catástrofes igualmente admiráveis.
Por exemplo, o ex-primeiro-ministro, Pedro
Passos Coelho, deu uma entrevista ao JN garantindo a bondade da sua governação,
nomeadamente no que se refere à estabilidade fiscal, à distribuição equitativa
da austeridade, à saúde financeira do Banif e à exigência que, consigo ao leme,
chegou à Educação. Muitos patos – conhecidos e anónimos – bateram palmas ao
discurso, varrendo para debaixo do tapete esse pormenor de a realidade muito
contrariar Sua Excelência.
Por exemplo, o presidente da República
cessante, Aníbal Cavaco Silva, condecorou um conjunto variegado de ex-ministros
pelo facto singelo – e exclusivo – de terem aceitado os respectivos cargos.
Ainda me comove a imagem de Miguel Relvas (amigo dilecto de Passos Coelho)
aceitando a medalhinha, ele que representa um notável exemplo da exigência que
o PSD perseguiu, com denodo, na Educação e em outros departamentos. Muitos
patos – conhecidos e anónimos – bateram palmas. Ainda assim, a maioria, com
vergonha ou cinismo, assobiou para o lado e encolheu os ombros.
Por exemplo, o sr. Schaüble ralhou com o
governo português por estar a devolver (sublinho: não a dar, não a oferecer – a devolver) salários e pensões e, por
essa escandalosa razão, ser responsável por alguma agitação dos mercados. Esta
circunstância fez as delícias de alguma comunicação social e da direita mais
trauliteira (patos & outros).
Aqui vos confesso: sinto espanto e nojo, em
doses iguais, perante o topete de algumas figurinhas e figurões. Na minha
terra, chamamos-lhe “lata” (ou “latosa”). De qualquer modo, exceptuando algum
desabafo doméstico ou cronístico, eu tendo sobretudo a optar pelo desprezo em
forma de silêncio. Depois da chuva, o eventual brilho da lata deles há-de
redundar em ferrugem. E, espero eu, até os patetas mais patetas perceberão também
o significado de patético.
Ribeira
de Pena, 15 de Fevereiro de 2016.
Joaquim
Jorge Carvalho
[Esta
crónica foi publicada no semanário O
Ribatejo, edição de 19-02-2016.]
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