Em 1976, eu era um jovem rapaz cheio de excessos: de juventude, de energia, de sonhos, de paixão.
Havia uma rapariga mais velha do que eu no prédio da minha juventude, uma morena elegante e eléctrica, sempre sorridente. Talvez alguns dos meus primeiros exercícios líricos fossem dedicados a essa vizinha do primeiro andar, a qual decerto mal repararia neste enlevo profundo e breve.
Depois houve o Tempo, esse tractor cínico que atropela e esmaga fantasias, beleza, ilusões. A rapariga cresceu e, para todos nós, seus contemporâneos, a vida veio a ser muito menos amável do que, à luz dos nossos corações frágeis e puros, parecia destinada a ser.
Soube agora que a Carla morreu de doença. Lamento-o muito, muito. E não sei reagir à brutalidade do fim senão com o recurso - patético, quiçá - ao ancinho da memória, resgatando no quase deserto das lembranças alguns pedaços de vida. Nacos (datados) de sonho. Bocadinhos (falecidos) de horizonte. Hipóteses (nunca completamente cumpridas) de felicidade.
Que descanse em paz.
Arco, 10 de Abril de 2015.
Joaquim Jorge Carvalho
[A ilustração lembra o mito de Sísifo. Não me ocorre agora, infelizmente, melhor representação da vida humana.]
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