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segunda-feira, 7 de março de 2011

Museu pessoal


Um grupo de alemães desce da Faculdade de Letras para o Museu Machado de Castro. É uma família: o pai tem barba ruiva, usa óculos de aros redondos, aconchega na barriga alguns litros a mais de cerveja e idade; a mãe (cinquentona como herr esposo) é loira, de olhos azuis, o vestido fica-lhe bem, apesar da bunda brasileira; as duas filhas andarão pelas idades indefinidas dos 16-18 anos, vestem como hippies de há quatro décadas, uma delas apresenta uma impressionante cartografia de borbulhas, a outra canta uma coisa qualquer em inglês.
Cruzo-me com estes turistas ali pela entrada lateral da Faculdade de Medicina. Eles vêem-me passar com duas malas muito pesadas e um saco a tiracolo. Devo parecer-lhes um marroquino transeunte, vendedor de tapetes ou de bijuterias. Nunca adivinharão que carrego difucultosamente, desde a Rua Padre António Vieira, vinte volumes de enunciado académico, mailos currículos e os cedês. Nunca adivinharão que aquele exercício violento cumpre a formalidade pré-terminal de um doutoramento (a)venturoso, que tem um bocadinho de épico, outro de lírico, muito (talvez) de patético.
Os alemães vão para o Museu Machado de Castro, oxalá o encontrem aberto ao público. Buscam, neste país a seus olhos estrangeiro, pedaços de Memória universal.
Eu, que elaboro na cabeça o meu museu pessoal, sorrio a caminho da Nissan Primera. Turista de mim próprio, admiro-me desta loucura iniciada há quase quatro anos, devoradora de dinheiro, de tempo, de dioptrias, de sangue.
Ao fundo da curva, está ainda não o fim, mas o meu carro.

Coimbra, 07 de Março de 2011.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem foi colhida, com a devida vénia, em http://www.acabra.net.]

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