Percebi muito cedo que copiar um texto para o caderno, como fazíamos na escola primária, não era já bem copiar um texto. Era mais experimentar certo mesmo caminho, de letras e sentidos, que outra pessoa fizera; sentir nos dedos e na cabeça (às vezes também no coração) as mesmas ideias que outrem sentira; fazer uma cúmplice ginástica de sintaxe e de melodia, irmanado no mesmo ofício da comunicação que alguém (por si, por mim, por nós, connosco) inaugurara.
A minha caligrafia, aí pelos oito anos, era já tão formosa como poderia jamais ser. (A lembrança é ainda mais dramática quando hoje dou por mim a inscrever gatafunhos ilegíveis nos meus diários de bordo!) De modo que, em 1971, a professora (dona Angélica) fez-me uma festinha no crânio e cumprimentou-me publicamente pela perfeição caligráfica, num elogia público que despertou sorrisos na menina Manuela João, a mais bonita (a par da Beatriz) das condiscípulas. A classificação da professora – “Muito Bom”, mãe! - ficou no lado direito da folha como uma certificação de excelência olímpica. Mas o mais importante, soube-o logo, era depois eu lembrar-me para sempre de algumas palavras estranhas e rigorosas, bem como de inteiras frases lindas sobre Portugal, tudo tesouros que o texto copiado me ensinara.
Não só tal, confesso. Numa espécie de continuidade poética, permaneceria também o orgulho da minha mãe e, mais distraído, do meu pai.
E ainda aquele sorriso da Manuela João em tudo quanto eu para sempre visse nos dias seguintes à glória de bem escrever.
Arco de Baúlhe, 25 de Setembro de 2012.
Joaquim Jorge Carvalho
Quanta falta fazem hoje, ainda, as cópias... meu caro amigo!
ResponderEliminarAbraço
Nelson
Quite right!
ResponderEliminarHug.
JJC