
A Culpa dos Sindicatos
Na sua crónica semanal, no “Expresso”, Miguel Sousa Tavares volta a referir-se, com burguesinha acrimónia, aos sindicatos.
Confesso: a sua sanha contra as organizações sindicais faz-me espécie.
Eu compreendo, por exemplo, o azedume de José Sócrates, esse, porque radica numa certa forma de o nosso primeiro-ministro ver o mundo, do ponto de vista da sua executiva circunstância: sem adversários, e sobretudo sem adversários organizados, seria mais confortável o exercício do poder.
Mas em Miguel Sousa Tavares é um fenómeno diferente. É, ao que parece, uma concepção da vida social e política que dispensa a vida e a força da contestação sindical. Ou, como eufemisticamente também diz, os “interesses corporativos”.
Entendamo-nos: já há muito que poderosos de todo o mundo lamentam este desagradável hábito de os trabalhadores se unirem e procurarem lutar pelos seus direitos. Em boa verdade, portanto, Sousa Tavares não aduz nada de novo sobre o assunto.
Concretizando: julga o iluminado cronista que, na saúde e na educação (pelo menos, aqui), o problema está nos sindicatos. O diálogo de Ana Jorge ou Isabel Alçada - com enfermeiros, médicos, professores - é interpretado, está-se mesmo a ver, como uma forma de pública capitulação. Que saudades tem ele, percebemos nós, da intrépida Lurdes Rodrigues e do valente Correia de Campos! Estávamos todos errados, à época, menos aqueles dois espíritos brilhantes (decerto congéneres do tão superior Miguel).
Este preconceito contra os sindicatos agrada a muita gente, como tenho observado nas colunas de opinião de vários jornais, e parece radicar na ideia extraordinária de que é das organizações sindicais, essa provável corja, a responsabilidade da má gestão do nosso país nos últimos trinta anos. Ao que parece, são os sindicalistas, consabidos e terríveis adversários do progresso, os grandes culpados da má organização de Portugal, e dos errados investimentos, e das ineficazes estratégias, e do repetido desperdício de meios e recursos.
De tanto opinar, pode ocorrer com Sousa Tavares a circunstância de estar certo, às vezes. Mas não é, aqui, o caso.
Por mim, tendo a perdoar-lhe a demagogia descuidada e os erros de raciocínio; nunca foi fácil escrever sobre o tempo que passa e o jornalista faz disso, como se sabe, ofício.
Custa-me mais perdoar-lhe o topete de se achar (já) romancista. Se “Equador” é uma razoável narrativa, “Rio das Flores” é, do ponto de vista literário, um nojo: mal imaginado, mal estruturado, mal escrito.
Mas, sei lá, talvez seja culpa dos sindicatos.
Ribeira de Pena, já 14 de Março de 2010.
Joaquim Jorge Carvalho
Os sindicatos vêm perdendo influência e capacidade de mobilização, é verdade. Têm-se adaptado mal aos tempos que correm, parece-me certo, vivendo ainda enredados em lógicas que já vão sendo obsoletas. Muitas propostas que fazem são irrealistas, às vezes aparentemente autistas, também me parece. Jogam um jogo do faz-de-conta, do género do regateio nos souks do Magrebe: pedem muito, na mira de conseguir uma parte do que pedem.
ResponderEliminarMas, com o poder que os grupos económicos e financeiros adquiriram, com as tentativas cada vez mais descaradas de despojar os trabalhadores de grande parte das conquistas sociais que alcançaram durante o século XX (mesmo sem as considerar todas intocáveis), os sindicatos fazem falta, e seria catastrófico que deixassem de cumprir o seu papel.
Já conhecemos Miguel Sousa Tavares: é um indivíduo que diz o que pensa sem rodeios e com independência (honra lhe seja feita), mas que é irresponsável e leviano em muitas coisas que diz. Gosta de frases fortes, e di-las ou escreve-as como se a verdade fosse dele e quem dele discorda fosse parvo, interesseiro ou impostor. Enfim, mais um ego grande demais para um país tão pequeno...