Sabemos o desconforto que há num desarranjo intestinal: a vida parece abandonar-nos, dolorosamente, sobretudo na forma líquida. Estamos sempre quase a desmaiar, que é (deve ser) parecido com estarmos quase a morrer.
Há muito tempo que não sou sujeito a incómodos desses. Mas há outras formas de tortura que lembram as agruras viscerais da digestão desregulada. Falai, por exemplo, com Directores de Turma do século XXI português e sabereis do que falo. Nunca como agora se assistiu a tal incontinência burocrática. Vão-se salvando da loucura alguns mais resistentes e outros que, lá no íntimo, talvez até apreciem esta fúria legisladora e regulamentar por nunca terem gostado desse pormenor, cada vez mais secundário, de dar aulas.
O professor burocrata vive de grelhas, de estatísticas, de "listagens", de estratégias, de competências essenciais & transversais, de níveis de desempenho, de metas, de critérios e percentagens, de projectos disto & daquilo. Interrogo-me: que tempo lhes resta para a leitura de um artigo de jornal ou de um livro? Que tempo lhes sobra para se tornarem pessoas mais interessantes? Que tempo lhes fica para se cultivarem e oferecerem aos seus alunos a novidade?
É proibido falar de cansaço. "Quem se cansar dá a classificação a outro" (poderia dizer o senhor Miguel Sousa Tavares, conhecido Catão e espécie de escritor de grande sucesso). O sistema, hoje, tende a castigar os renitentes, os tais saudosos do tempo em que a principal ocupação era trabalhar com os alunos.
Senhor, quando se arranjará remédio para este desarranjo?
Ribeira de Pena, 04 de Novembro de 2010.
Joaquim Jorge Carvalho
Sábias palavras.
ResponderEliminarAnabela
Beijinho, Anabela.
ResponderEliminarDiálogo (aproximado) num recente Conselho de Turma:
ResponderEliminarSecretário da reunião - Então, escrevo que o comportamento da turma não satisfaz?
Professor A - Não ponhas isso. Se amanhã há uma inspecção, somos chamados à pedra...
Professor B - Mas porquê? É a verdade! Estivemos aqui a discutir estratégias... Eles são irrequietos e turbulentos em todas as disciplinas.
Professor C - O colega A tem razão. É sempre culpa nossa. É melhor defendermo-nos e pôr aí qualquer coisa assim: «razoável» ou «pouco satisfatório».
Adoptar um discurso à antiga, doutoral e sobranceiro, é anacrónico e nada tem a ver com o que um professor hoje precisa de ser. Não é questão de enxovalhar os alunos, que são seres em formação e quantas vezes mal orientados, e muito menos de desistir deles ou não fazer tudo para encontrar os caminhos capazes de os conquistar e bem formar.
O problema é quando nos auto-condicionamos e embarcamos numa metalinguagem tortuosa, de fazer de conta. Assim fazemos o jogo desse taylorismo educativo de 3ª categoria que nos quer reduzir a máquinas acéfalas.
(Devias fazer aqui como no Facebook: máximo 140 caracteres. Mea culpa!)
Paulo, os teus comentários iluminam este espaço. Discorre livremente, pois, sem limite de palavras. É muito bem-vinda a tua inteligência e a tua lucidez. Abraço.
ResponderEliminarJJC