Bússola do Muito Mar

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Número de Ondas

quinta-feira, 26 de março de 2015

Deve & haver


Tantos vales e montanhas
Tanta estrada a percorrer!
Saudades grandes, tamanhas
Do vivido e por viver!

Entre Vila Real e Viseu, 26 de Março de 2015.
Joaquim Jorge Carvalho

[A imagem foi colhida, com a devida vénia, em http://www.pt.dramstime.com.]

terça-feira, 24 de março de 2015

Herberto (contra a morte)



Morreu Herberto Helder, não obstante os teimosos passos em volta que (aí vai um clichê) perdurarão.
Aprendi a gostar de Herberto Helder pela mão de outro grande poeta contemporâneo (o maior que conheço), o Daniel Abrunheiro. Herberto nunca foi o meu poeta preferido, mas era-me (é-me) fácil perceber nele a marca (conspícua, avassaladora, dolorosa) dos génios que, simplesmente vivendo-sendo, não deixam de mudar o mundo para sempre. Lendo os versos - ou a prosa que era outra forma de ele escrever em verso - de Herberto Helder, entende-se melhor aquele “plaisir du texte” mais difícil, menos óbvio, frequentemente desconfortável de que fala Barthes. Os caminhos da Beleza não têm de ser óbvios, nem confortáveis, nem fáceis.
Um Poeta de dimensão maior – espécie de outro Pessa que a Língua Portuguesa foi capaz de dar à luz – morreu. Isto é, não. Leiam-no contra a morte.

Arco, 24 de Março de 2015.

Joaquim Jorge Carvalho

sexta-feira, 20 de março de 2015

Mãe para sempre


A minha mãe disse-me, ao telefone, que estava cheia de medo por, hoje mesmo, fazer 75 anos. Disse-me: Já viste? São tantos. Qualquer dia morro.
Eu respondi-lhe da única forma que um filho decente pode responder a uma mãe com a ideia da morte na cabeça:
- Escute. A mãe fica proibida de morrer.
Ela escutou-me e está, por enquanto, a obedecer-me.
Na verdade, respeita muito a minha autoridade. Toda a gente sabe que, a partir de certa altura, nos tornamos encarregados de educação dos nossos progenitores.
Disse-lhe aquilo:
- A mãe está proibida de morrer.
Espero que me percebam.
 

Arco, 18-03-2015.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem que acompanha este texto é a de um cartaz anunciando a representação da obra de Brecht, Mãe Coragem. Com a devida vénia.]

A Promavera (revisões sobre a Escola)

Lemos nos jornais e vemos na televisão que o mundo vai mal: as guerras não param, a pobreza agarra-se ao planeta Terra como uma lapa teimosa, a intolerância entre os povos mostra os seus dentes ferozes, o desemprego (sobretudo entre os mais jovens) aumenta a cada dia. Dir-se-ia que a esperança começa a ser uma palavra sem real sentido.
Vistas da Escola, as feridas da humanidade parecem ainda piores. Porque os nossos olhos andam pelos livros de Ciências e aprendem que o racismo é uma estupidez. Porque os nossos olhos andam pelos livros de História e aprendem que as guerras devem ser, em vez de travadas, prevenidas, evitadas. Porque os nossos olhos andam pelos livros de Matemática a aprendem que a riqueza mal distribuída é uma conta fatalmente errada. Porque os nossos olhos andam pela Literatura, pelo Desenho, pela Escultura, pela Música e aprendem que não há verdadeira vida sem a beleza e sem o amor.
Aparentemente, o mundo ignora o que os livros ensinam. E a realidade, vista do lugar em que aprendemos tanto sobre a vida, parece uma besta estúpida e feia.
De modo que a Escola é hoje, mais do que nunca, uma fortaleza da esperança. O chão de onde partimos tem de ser a ideia de que vale a pena o esforço. De que o futuro pode ser melhor. De que a ignorância e a barbárie são fases transitórias e vencíveis. De que há sempre, no passado, uma Primavera para recordarmos e, no futuro, uma Primavera para voltarmos a viver.
A Primavera sonha-se também na Escola. A Primavera faz-se também na Escola.
O jornal Arco-Íris (jornal da minha Escola, a melhor escola do mundo) é, como eu o entendo, uma espécie de apóstolo da esperança - e não se admirem se, por entre as suas páginas, calha de brilhar algum Sol. Nós trabalhamos com o Sol e o Sol trabalha connosco. A primavera é trabalho de ambos. Trabalho, portanto, de grupo.
Gosto de pensar que os nossos leitores entrarão pelas páginas do nosso jornal e confirmarão que palavras e imagens, embora sonhadas e escritas em pleno inverno, são matéria essencialmente solar. Essencialmente primaveril.
 
Arco de Baúlhe, janeiro, 2015.
Joaquim Jorge Carvalho

[Este texto aparece no jornal Arco-Íris, que saiu agora, com o título de "Abertura". A imagem que aqui o ilustra é a de um maravilhoso filme (com base em novela homónima), La Lengua de las Mariposas. Com a devida vénia, naturalmente.]