Bússola do Muito Mar

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Número de Ondas

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

Mãe vista do outro mesmo lado


Eu era menino, tinha a altura da tua cintura

E tu conduzias-me pela mão até à escola

Prevenindo medos e acidentes rodoviários.

Consolaste-me quando o Nuno morreu na curva

Do Café (a mãe dele tinha, ao chorar, as mãos vazias)

E a minha febre curava-se melhor quando tu estavas

Murmurando optimismos, segurando a minha testa durante

O vómito a quarenta graus, naquelas frágeis noites

Da minha imortalidade interrompida. Eras, Mãe, o regaço

Da felicidade completa que só bem se percebe ao recordar-se.

Depois fizeste setenta e quatro anos e ficaste pequenina

Avessa a horários, distraída, tão fraca. Chamas diabretes

À diabetes, dizes palavrões, esqueces-te de nomes

E vomitas muitas vezes, depois das refeições. Eu seguro-te

A testa com a minha mão e garanto-te que a dor já vai passar.

Amo-te tanto, Mãe, não te posso perder. Lembro-me de ouvir

(À altura serena da tua cintura) a promessa de nunca

Morrermos, e naquele tempo nada disto era mentira.

Não digas palavrões, mãe, dá-me a tua mão, eu não deixo

Que te aconteça mal algum. Vamos os dois ver Coimbra

Do outro lado do rio.


Coimbra, 31 de Janeiro de 2014.

Joaquim Jorge Carvalho

[A imagem foi colhida, com a devida vénia, em maeporacaso.spaceblog.com.]

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Teatro & Poesia (com Amor)


No dia 14 de fevereiro, a convite da Dra. Maria José, responsável pela Biblioteca Municipal do Arco, dinamizei uma oficina de expressão dramática destinada a alunos do Centro Escolar (do 3.º e 4.º anos de escolaridade). No aconchego pretextual do "Dia de S. Valentim", essa invenção dos centros comerciais que, com alguma perícia, podemos tornar numa data formosa e pedagogicamente amável, tive oportunidade de lhes  recordar as diversas formas de sentir e exprimir o Amor, bem como o papel da literatura (e da arte em geral) na compreensão e expressão dos seres humanos. Pude também contribuir (oxalá) para o reforço, neles, do gosto pela poesia e, num plano mais lato, pela leitura e pela escrita. Finalmente, chamei-lhes a atenção para o valor do Teatro enquanto representação profunda e dinâmica de ideias e sentimentos inerentes à condição humana.
Durante cinquenta minutos, lemos e encenámos episódios da vida. Isto é, reflectimos sobre questões importantes e, de um modo geral, divertimo-nos numa espécie de abraço cúmplice (ou cósmico), que nos tornou para sempre, talvez, mutuamente conhecidos e mutuamente estimados.

Raramente me sinto tão útil ou valioso como nestas ocasiões em que me visita a formosa ilusão de estar, por instantes mágicos, ao serviço do Futuro.

Arco de Baúlhe, 14 de Fevereiro de 2014.
Joaquim Jorge Carvalho
[As fotos foram tiradas pela anfitriã formal do evento, a amabilíssima Dra. Maria José.]

S. Valentim assim Joaquim



O amor é uma estrada,
Um caminho, uma ponte
Às vezes é um deserto
Outras vezes uma rua entre a multidão.
Isto é, o amor é
Uma forma de andar por aí -
Espera-me por favor
Até eu chegar a ti.

Ribeira de Pena, 13 de Fevereiro de 2014.
Joaquim Jorge Carvalho

[A imagem foi colhida, com a devida vénia, em http://www.colorirgratis.com.]

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Espuma dos dias


No devir dos olhares muito limpos
E da lembrança das ternuras vocais
Ficam os lábios nem sempre visíveis
Da querida presença
O abraço incumprido do desejo
Certa luz ficando ou perdendo-se
Um nome arrumado a um canto
Do tempo
Sorrisos anónimos que podiam ser
(Podiam ter sido)
Para mim.
No fundo tudo é adeus
Amor.
Adeus é uma palavra terrivelmente mortal.

Cabeceiras de Basto, 12 de Fevereiro de 2014.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem lembra um romance maravilhoso de Boris Vian, L'écume des jours.]

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Mãe sempre



A rádio sublinhava, ontem, de meia em meia hora, a iminência de muita chuva, rajadas de vento, frio e neve. Antes de nos deitarmos, a MP quis ter a certeza de que a nossa filha estava bem e telefonou-lhe. A resposta deixou-nos dormir. A VL já é uma senhora, quiçá dispensasse a eterna angústia em que os progenitores vivem. Mas, a cada instante, o sangue bate à porta do coração - e que se há-de fazer senão abrir-lhe a porta e responder aos seus apelos?
Hoje, de manhã, o telemóvel tocou. Também a minha Mãe queria saber de nós. Garantimos que estávamos bem. A minha Mãe tem mais de 70 anos. O filho já fez 50. E a sua aflição era, afinal, tão profunda quanto a da MP.
De modo que ser Mãe não se mede por idades de progenitores e gerados. Não tem prazo de validade. É coisa de corpo e alma sem lugar a interrupções. Um estado para sempre, no tempo e no modo, presente. Como, de forma geral, o Amor todo. 

Ribeira de Pena, 10 de Fevereiro de 2014.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem foi colhida, com a devida vénia, em http://www.bloguedecrioula.wordpress.com.]

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Viver apesar de


Às vezes a vida cansa
Mas um homem dança

Às vezes a meta não se vê
Mas um homem crê

Às vezes o chão magoa
Mas um homem voa

Às vezes o percurso é triste
Mas um homem resiste

Às vezes não há caminho
Mas um homem faz o caminho.

Arco de Baúlhe, 07 de Fevereiro de 2014.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem foi colhida, com a devida vénia, em http://www.joanunes.com.]

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Para sempre


 
A flor depois da morte ‘inda respira

Em posteriores odores de si dispersos -

A mortalidade é uma mentira

Porque há versos.

 
Arco de Baúlhe, 03 de Fevereiro de 2014.
Joaquim Jorge Carvalho